POR UMA VERDADEIRA “JUSTIÇA SOCIAL”, A ATUAÇÃO DEFENSORIAL EM DEMANDAS ESTRATÉGICAS.

RESUMO

A presente tese pretende analisar o contexto processual contemporâneo, voltado à solução de demandas que afetam a coletividade como um todo, e a litigância estratégica pela Defensoria Pública como a busca de uma solução direcionada à pacificação da sociedade, o exercício de uma verdadeira Justiça Social. Não se pode mais conceber uma Defensoria Pública minimalista, dentro de um cenário processual arcaico – Estado – Autor – Ré, onde o(a) Defensor(a) Público(a) era tão somente o(a) “advogado(a) dos pobres”, apresentando demandas individuais para pessoas que não poderiam pagar custas processuais e honorários advocatícios. A realidade processual mudou, a sociedade mudou, a Defensoria Pública mudou. Vislumbra-se, hodiernamente, um Órgão Defensorial mais proativo, mais atendo às necessidades da sociedade, e na busca de uma solução mais efetiva, uma verdadeira macrojustiça. O conceito de “necessitado” cede espaço à figura da vulnerabilidade, ganhando esta contornos não só financeiros, ou seja, o critério financeiro não é mais o único a pautar a atuação do(a) Defensor(a), mas também uma vulnerabilidade circunstancial, processual e social. Ainda diante do moderno cenário processual, enfatize-se a atuação estratégica, relacionada a escolha de casos paradigmáticos, e o modo de condução destes, de forma a buscar uma verdadeira Justiça Social. A litigância estratégica pode ser via processual, por meio de Ação Civil Pública (Lei nº 11.448/2007), Habeas Corpus Coletivo, Mandado de Injunção e Segurança Coletivos, Ação Popular, dentre outros. Ou extraprocessual, com a educação em direitos, termo de ajustamento de condutas, requisições, o procedimento para apuração de dano coletivo (PADAC), a mediação, o uso dos meios de comunicação, as audiências públicas, entre outras. As possibilidades são infinitas e o pensamento criativo é essencial para essa forma de atuação. Desta forma, a presente tese pretende apontar desafios, ofertando inclusive um passo a passo para uma efetiva atuação estratégica por meio da Defensoria Pública.

Palavras-Chave: Justiça Social. Defensoria Pública. Litigância Estratégica, Vulnerabilidade. Macrojustiça.

FOR TRUE “SOCIAL JUSTICE”, DEFENSORY ACTING IN STRATEGIC DEMANDS. 

ABSTRACT

This thesis intends to analyze the contemporary procedural context, focused on the solution of demands that affect the collectivity as a whole, and the strategic litigation by the Public Defender as the search for a solution directed to the pacification of society, the exercise of a true Social Justice. A minimalist Public Defender’s Office can no longer be conceived within an archaic procedural setting – State – Author – Ré, where the Public Defender was only the “advocate of the poor” ”By filing individual claims with individuals who could not afford legal costs and attorney’s fees. The procedural reality has changed, society has changed, the Public Defender’s Office has changed. Today, a more proactive Defensory Body, more attentive to the needs of society, and in search of a more effective solution, a true macro-justice, is envisaged. The concept of “needy” gives way to the figure of vulnerability, gaining this not only financial contours, that is, the financial criterion is no longer the only one to guide the Defender’s performance, but also a circumstantial vulnerability, procedural and social. Still facing the modern procedural scenario, it is emphasized the strategic action, related to the choice of paradigmatic cases, and the way of conducting them, in order to seek a true Social Justice. Strategic litigation can be processed through Public Civil Action (Law No. 11,448 / 2007), Collective Habeas Corpus, Collective Injunction and Security Order, Popular Action, among others. Or extraprocessual, with education in rights, terms of adjustment of conduct, requisitions, the procedure for investigation of collective harm, mediation, use of the media, public hearings, among others. The possibilities are endless and creative thinking is essential to this form of action. Thus, this thesis intends to point out challenges, even offering a step by step for an effective strategic action through the Public Defender’s Office.

Keywords: Social Justice. Public Defense. Strategic Litigation, Vulnerability. ‘Macrojustice’.

SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2 – Demandas Estratégicas e Defensoria Pública. 3 – Passo a Passo para uma Atuação Estratégica Efetiva. 4 – Por uma verdadeira “Justiça Social”, a atuação Defensorial em demandas estratégicas. Considerações Finais. Referências.

1 – INTRODUÇÃO:

Vislumbra-se no âmbito processual contemporâneo uma forte tendência a coletivização dos litígios, em que demandas judiciais privadas e individuais cedem espaço às demandas coletivas que visam o bem-estar de toda uma coletividade, e inclusive, fazem parte agora também de um cenário extraprocessual de solução de conflitos.

A necessidade de pensar um processo coletivo, uma justiça célere e eficaz, em uma demanda que oferece primazia à tutela de interesses sociais perfazendo uma verdadeira justiça social, já fora de há muito pensada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em sua obra Acesso à Justiça (1979), ao analisar a segunda onda evolutiva identificando-os como litígios de “direito público”, face a importância dos assuntos a serem discutidos, sendo temas que geram reflexos em toda a sociedade, tais como demandas de natureza ambiental, efetivação de políticas públicas, lides consumeristas, entre outras.

Outrossim, tais demandas de natureza coletiva saem do óbvio da arcaica triangulação processual Estado – Autor – Réu, ofertando um olhar de uma macrojustiça, voltada para uma solução que atinja o todo, e não só um número limitado de pessoas.

Neste sentir, apresenta-se a litigância a estratégica como um olhar mais humanizado sobre os conflitos, uma visão de que o problema de uma pessoa já é, ou poderá ser o problema de todas, de modo a se prevenir o conflito de interesses, ou solucionar tais conflitos conferido uma verdadeira justiça social, uma paz reflexiva a toda a coletividade.

Desta forma, a presente tese visa justamente analisar a Defensoria Pública neste cenário de litigância em demandas estratégicas, buscando uma verdadeira “justiça social”, que não atinja pessoas ou grupos determinados e sim, toda a sociedade.

Amolda-se a temática proposta ao tema do concurso de teses, vez que trata de memórias, cenários e desafios para o Órgão Defensorial, sendo dividido o desenvolvimento da tese em 03 (três) pontos: Demandas Estratégicas e Defensoria Pública, Passo a Passo para uma Atuação Estratégica Efetiva e o cerne da pesquisa é a busca de uma verdadeira “justiça social”, e a atuação defensorial em demandas estratégicas.

Utiliza-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, analisando não só a doutrina, mas também, casos reais de atuação estratégica, ofertando-se ainda um roteiro para efetivar este tipo de atuação.

2 – DEMANDAS ESTRATÉGICAS E DEFENSORIA PÚBLICA:

Por muito tempo, a Defensoria Pública fora vista sob o olhar limitado de “advogado dos pobres”. Visão tacanha e minimalista em que o Órgão Defensorial limitava-se a propor demandas judiciais de natureza individual e para pessoas com baixa condição financeira, que não poderiam contratar advogados particulares. Essa perspectiva cede espaço a uma atuação ampla, a partir da formatação constitucional conquistada pela Defensoria Pública nos últimos anos, que permite uma atuação defensorial que impulsione uma verdadeira reestruturação da sociedade, na qual o(a) defensor(a) público(a) assume a função de agente de transformação social.

José Augusto Garcia de Sousa (2011, p. 186) ressalta que o perfil mais coletivo e solidário da Defensoria não diminui o importantíssimo papel da instituição na defesa individual. A maioria dos atendimentos da Defensoria será sempre de natureza individual. Isso não significa que deva ser eternamente imposta a Defensoria uma filosofia institucional individualista e anacrônica, sem qualquer conexão com o contexto em que está situada. Ressalta-se a superação definitiva da lógica individualista que durante muito tempo presidiu as funções institucionais, em favor de uma nova racionalidade.

Mesmo sendo a instituição mais nova no sistema de justiça, a Defensoria Pública vem a passos largos demonstrando o seu valor, reafirmando-se como órgão imbuído de promover verdadeira justiça social, de modo a favorecer a toda sociedade.

O campo de atuação defensorial não se limita tão somente a propor demandas judiciais para as pessoas necessitadas. A atual configuração institucional permite um leque de atuações na seara extrajudicial, e inclusive destacando-se a importância desta por expressa disposição legal (Artigo 134 CF), de modo a tentar desafogar um Judiciário assoberbado, valorizando-se as formas de solução extrajudicial de conflitos. Nesse contexto, merece destaque a atuação na educação em direitos prevenindo o surgimento de novos conflitos.

Começando por sua disposição constitucional, em que na Carta Política de 1988, Artigo 134, a Defensoria Pública apresenta-se como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, às pessoas necessitadas.

Ressalte-se a atuação da Defensoria Pública em demandas de natureza coletiva, em que esta instituição pode lançar mão de diversos instrumentos coletivos tais como Ação Civil Pública (Lei nº 11.448/2007), Habeas Corpus Coletivo, Mandado de Injunção e Segurança Coletivos, Ação Popular, dentre outros.

Por outro lado, a Defensoria Pública surge como importante interlocutora no Estado Democrático de Direito para atuar junto ao Legislativo trazendo as demandas do povo em forma de parecer em projetos de lei ou ainda levando propostas legislativas aos(às) parlamentares.

Nesse cenário, a Defensoria Pública enquanto instituição, aparece como peça chave para superação de problemas sociais e estruturais por meio da Litigância Estratégica, conferindo voz e vez aos vulneráveis, sobretudo atuando como suporte em parceira e ao lado das organizações sociais. O trabalho realizado permanentemente pelos Defensores(as) Públicos(as) acompanhando diariamente as instituições que compõe o sistema de justiça facilita a identificação de situações de opressão, tornando-a vigilante no que tange à atuação estatal ou qualquer omissão na proteção de direitos, a exemplo da possibilidade de identificação de torturas e maus-tratos ocorridos dentro do sistema prisional.

Outrossim, o contato diário com o público nas mais diversas violações, sem restrições temáticas, como ocorre no caso das organizações não governamentais e associações em defesa de determinados direitos, permite identificar a interseccionalidade dessas violações, facilitando o combate às múltiplas formas de discriminação a partir de um caso concreto, ou seja, permite cruzar informações sobre situações de opressão estruturadas em diferentes eixos que inicialmente pareciam ser desconexas entre si, possibilitando uma atuação mais eficaz diante dessas violações.

No caso “Ouvindo o povo do terreiro”, em uma atuação da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, que inicialmente parecia ser para resolver um problema de intolerância religiosa, identificou-se um problema racial histórico. Verificou-se que as religiões de Matriz Africana e fro-Umbandistas, alcançando a Umbanda, a Kimbandaa, o Batuque e o Candomblé vinham tendo suas falas cerceadas há muito tempo por meio de uma forte repressão inclusive por parte do próprio Estado, apesar de todo arcabouço legal e constitucional que reconhece a inviolabilidade de liberdade de consciência e de crença, proibindo o preconceito e a discriminação.

Uma outra situação a ser exposta é a identificação da interseccionalidade entre raça e gênero, que levou a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro a ingressar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, tendo como objetivo a declaração de não recepção parcial, pela Constituição Federal de 1988, dos arts. 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, visando garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação nas primeiras 12 (doze) semanas, de acordo com a sua autonomia, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, na qualidade de amicus curiae – representando mulheres que estão envolvidas com processos judiciais sobre a temática. A atuação da Defensoria Pública nesse caso levou a elaboração de um estudo que expôs as consequências na criminalização do aborto para a vida das mulheres negras, permitindo, nas palavras de Márcia Bernardes e Mariana Albuquerque a escuta de uma interação de vozes silenciadas, “mesmo que com ruídos, mesmo que ainda tangencialmente, conta, ou brada, quantas outras ainda deixamos de ouvir”.

Vislumbrando ainda o preceito constitucional do Art. 134, merece destaque a mudança crescente do público-alvo da Defensoria Pública, que deixou de ter sua atuação voltada exclusivamente para o “necessitado”, ou seja, aquele que não possui condições financeiras para contratar advogado, passando então a tutelar o vulnerável, seja por critério processual (conforme disposto no Código de Processo Civil – Art. 554, § 1º), circunstancial como pessoas enfermas ou em situação de rua, social como grupos LGBTQ+. Não importa a renda, não importa a simples condição financeira, a vulnerabilidade junge-se a uma condição de fragilidade imposta pelo Estado ou por outros Particulares, uma condição de opressão que merece e deve ser combatida, fazendo jus a uma efetiva atuação por parte da Defensoria Pública.

A Defensoria Pública descortina-se ainda em atuações como amicus curiae (amigo da Corte) ou Custos Vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis) apresentando-se cada vez mais como uma instituição vocacionada a lutar por um direito mais humanizado, um direito que busca realizar uma verdadeira justiça, despreocupada com números e resultados, desatenta a formalismos e a rigidez processual, e sim, voltada para uma justiça para o povo e pelo povo.

Coaduna-se então, com atual formatação Defensorial o conceito de litigância estratégica, trazendo um olhar diferenciado sobre as soluções de problemas, um olhar que não vislumbra a demanda como mais um número processual, e sim, como pessoas, como vidas, como seres humanos que merecem respeito. A litigância estratégica pretende um direito mais humanizado, um direito livre de amarras processuais, de formalismos que só tornam as soluções mais difíceis e demoradas; em verdade, preocupa-se com o diálogo, deixando a guerra processual em último plano.

Litigar estrategicamente é desenvolver mecanismos de atuação que extrapolem a mera representação processual e individualização dos sujeitos envolvidos, visando uma completa modificação da situação-problema e das potenciais demandas decorrentes dela. É antever conflitos que podem vir a existir, atuando de forma preventiva na modificação das estruturas sociais que geram os problemas. A intenção é refletir sobre os aspectos dessa atuação, potencializando o papel da Defensoria Pública na construção de projetos emancipatórios por meio de uma intervenção transformadora da realidade social a partir de conflitos estruturais.

Nesse contexto, a atuação da Defensoria Pública na efetivação de direitos, além de ser a última trincheira de proteção dos grupos vulneráveis, surge ainda, como uma forma de evitar a falência do sistema jurídico brasileiro, visando minimizar a apatia política dos cidadãos e impedir que as possibilidades reais de conquista de direitos sejam deixadas de lado em razão do descrédito das populações no cumprimento da norma por parte dos detentores do poder.

A solução de conflitos amolda-se hoje à Teoria dos Jogos, em que deve-se analisar os sujeitos envolvidos (as partes, os jogadores, as peças do jogo), as soluções apresentadas (estratégias empreendidas pelos jogadores) e os objetivos do jogo. Exige uma análise conjunta Interdisciplinar, visando constatar qual a esfera de atuação há maiores chances de melhores resultados, seja o Legislativo, Judiciário, seja a esfera administrativa. Nem sempre deve-se tentar vencer de toda forma e a todo custo, como diz o adágio, melhor um “mau” acordo que uma “boa” briga, e litigar estrategicamente é saber como agir, quando agir e a melhor forma de agir.

Nesse sentido, em importante palestra sobre o assunto, Daniel Sarmento¹ citou como estratégia incorreta a utilização de um discurso de criminologia crítica focado em uma visão abolicionista na narrativa selecionada na litigância que desaguou na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 (ADPF 347). Na situação, ele orientou aos litigantes a retirada dessa ideia crítica, algo que foi aceito e trouxe bons resultados ao processo, permitindo a importação para o Brasil de um instituto criado pela Corte Colombiana denominado “Estado de Coisas Inconstitucional”, onde se questionava a violação de direitos fundamentais da população prisional e possibilitava o controle judicial de políticas públicas nesse eixo. A atuação deixa de ser um simples protocolar de uma ação perante o Judiciário, para pensar então em uma melhor efetivação da Justiça, em que o formalismo e as amarras processuais cedem espaço às formas de solução consensual e extrajudicial de conflitos, servindo o(a) Defensor(a) como voz àqueles que tudo lhes foi negado, e que a esperança de uma vida mais justa seria um sonho distante e inalcançável.

A atuação estratégica amolda-se ao processo civil contemporâneo, em que a forma (o rito processual) deixa de ser o elemento mais importante, cedendo espaço ao objetivo primordial de solução do conflito. Admite-se hoje, em uma conjuntura processual moderna, o sincretismo processual, no qual as formas e ritos confundem-se, e o que importa é ofertar uma resposta jurídica à lide (princípio da instrumentalidade das formas). As lides individuais cedem cada vez mais espaço ao processo coletivo.

Nessa toada, a litigância estratégica ou litigância de interesse público apresenta-se como uma forma de resolução de conflitos por meio de casos paradigmáticos, em que se busca não apenas a reparação da vítima, mas a transformação social. Envolve o “interesse público”, haja vista o litígio não se encerrar no caso concreto, ao revés, seus efeitos são estendidos a toda coletividade, com potencial de levar à realização de ações estruturais (envolvendo a efetivação de políticas públicas), dentro daquilo que se denominou de macrojustiça.

3 – PASSO A PASSO PARA UMA ATUAÇÃO ESTRATÉGICA EFETIVA:

Considerando o atual contexto social brasileiro, o seu quadro de retrocesso social e a necessidade institucional de investir em Litigância Estratégica elaboramos um roteiro, um passo a passo como forma de orientar a atuação do(a) defensor(a) público(a).

Não se pretende aqui amarrar a atuação estratégica a um rito, a uma forma pré-definida e, sim, servir de “roteiro”, ofertando caminhos para aqueles(as) que pretendem atuar de forma estratégica possam situar-se, conduzindo o seu agir de forma mais proativa, alcançando resultados mais efetivos.

1º Passo – A necessidade de identificação do problema, partindo para a seleção do caso paradigmático. Deve-se ter em mente que o problema apresentado à Defensoria Pública, ainda que por uma só pessoa, pode gerar reflexos em uma coletividade de pessoas.

Veja-se a atuação da Defensoria Pública do Estado da Paraíba e o Mandado de Segurança Coletivo (Processo nº 0807281-50.8.15.0001), em que foi pleiteada a reserva de 5% (cinco por cento) das vagas do Concurso para portadores de deficiência física, e, também, com a abertura de novo prazo para inscrição. Na situação constatou-se a ausência de norma estadual garantindo a reserva de cotas raciais, ocasião em que os(as) defensores(as) ingressaram com um Mandado de Injunção objetivando a edição da norma garantidora.

A atuação dos(as) Defensores(as) Paraibanos(às) poderia ter se resumido a propor um Mandado de Segurança Individual, em que tutelaria o interesse daquela pessoa que buscou o auxílio defensorial, no entanto, foi além, e em uma visão estratégica visou garantir o direito de todos(as) os(as) estudantes de concurso que poderiam ser prejudicados(as) a partir daquele edital, além de resguardar o direito das pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade por questões raciais, que foram impedidas de usufruir de uma ação afirmativa que lhes fora destinada, em razão da ausência de norma estadual.

2º Passo – Identificação do público-alvo e construção de diálogos com a população atingida pelo caso paradigmático. Faz-se necessário ouvir a população diretamente afetada pela situação problemática, uma vez que deve ser ela protagonista dessa atuação, ocasião em que a Defensoria Pública atuará como amplificadora das vozes até então silenciadas e dos anseios a serem alcançados com a respectiva atuação.

Tudo isso, visando a evitar que venha a ser tomada alguma medida que, embora juridicamente seja necessária, possa se contrapor aos interesses daquela coletividade diretamente afetada pelo litígio.

Na comarca de Aracati/CE, realizou-se reunião com os familiares das pessoas encarceradas com o fito de discutir a situação da Cadeia Pública local, posto que a imediata propositura de Ação Civil Público com o fito de fechar o estabelecimento prisional, surtiria na imediata transferência dos egressos, levando-os para longe de seus familiares.

3º Passo – o caso paradigmático deve ser mapeado e documentado, observando-se a necessidade de formação de um grupo de trabalho dentro da instituição com esse propósito, ainda que de forma temporária. Comum, na organização administrativa de algumas defensorias já haver órgãos que visem a atuações estratégicas, como a Defensoria Pública do Estado do Ceará que possui a Assessoria de Relações Institucionais (ARINS) conduzindo projetos voltados a uma articulação estratégica como o Orçamento Participativo e o Defensoria em Movimento, apresentando ainda em sua composição o Grupo de Trabalho (GT) de atuação junto aos Movimentos Sociais.

Cumpre ainda destacar a existência, em algumas Defensorias, de núcleos temáticos, como os de Direitos Humanos, Moradia, Idoso, Violência Doméstica, Consumidor, Saúde, Infância e Juventude, em que realizam uma articulação mais pontual, servindo não só como forma de definição da identidade institucional, mas acima de tudo, como forma de promover uma atuação mais eficiente.

4º Passo – Verifica-se então a possibilidade e a necessidade de se formar parcerias com a sociedade civil e com outros integrantes do sistema de justiça. Essencial então, a aproximação da Defensoria Pública com os movimentos sociais, associações de classe, organizações sociais, líderes comunitários, dentre outras instituições ou pessoas, que servem de elo de ligação com a população. Instituições/órgãos como Ministério Público, CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social, Conselho Tutelar, CRAS – Centro de Referência de Assistência Social, CAPS – Centro de Atenção Psicossocial, Práticas Jurídicas de Universidades, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares/RENAP, apresentam-se como valiosos parceiros na atuação estratégica, e dependendo da situação, tem-se um litisconsórcio em determinada demanda judicial.

5º Passo – Devem-se escolher quais seriam as esferas de atuação, seja judicial ou extrajudicial ou ainda junto ao Legislativo, visando a construção de novos direitos. São formas de atuação defensorial extrajudicial os diálogos administrativos, as recomendações, os termos de ajustamento de condutas, o procedimento para apuração de dano coletivo (PADAC), a mediação, a educação em direitos, o uso dos meios de comunicação, as audiências públicas, entre outras. São inúmeras possibilidades de atuação a partir da criatividade e da interação de várias aéreas do saber que podem somar forças ao conhecimento técnico do(a) Defensor(a) Público(a).

Recomenda-se, então, que se proceda de início a uma atuação de forma extraprocessual, vez que a maioria dos problemas podem ser resolvidos com uma atuação conjunta ao poder público responsável pela demanda, ou junto ao agente violador dos direitos. Cabe reforçar que a atuação extraprocessual é prioritária por lei (Art. 4º, inciso II, da Lei Complementar nº 80/94), vez que mais célere, menos onerosa, e até mais eficaz.

6º Passo – Por fim, pode-se a vislumbrar uma atuação defensorial no âmbito internacional, em que diante da omissão do Estado Brasileiro, busca-se a atuação de órgãos internacionais (de forma suplementar).

A Comissão e a Corte Interamericanas de Direitos Humanos vêm sendo provocadas de forma mais frequente, como no caso da atuação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, que ofereceu denúncia em março de 2016 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em razão das constantes violações de direitos ocorridas no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu (RJ). Após a denúncia, ainda em junho do mesmo ano, a Comissão determinou que a União adotasse medidas para resolver problemas como superlotação, maus tratos, dentre outros, e como não fora atendida a recomendação da Comissão, o caso foi levado à Corte. Em agosto de 2017 a Corte recebeu o processo e determinou que o Estado Brasileiro sanasse as violações apontadas e em novembro de 2018, a Corte condenou o Estado Brasileiro.

Sobre o necessário fortalecimento da Defensoria Pública (não só no Brasil, mas em todo o mundo) e sua atuação na esfera internacional Márcia Nina Bernardes (2011, p. 151) ressalta o caso Roberto Moreno Ramos vs. Estados Unidos, em que o peticionário fora condenado à pena de morte, a Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou que o Estado não cumpriu com o seu dever de garantir um juízo justo e o devido processo com relação à vítima, previstos nos artigos XVIII e XXVI, respectivamente, da Declaração Americana de Direitos Humanos, na medida em que o advogado dativo designado pelo tribunal americano não esgotara as possibilidades de defesa e não arguira as circunstâncias atenuantes que poderiam afastar a aplicação da pena de morte. A Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou também que a mera inexistência de uma defensoria pública que pudesse atuar em todo território estadunidense em casos de pena de morte violava as disposições supramencionadas.

4 – POR UMA VERDADEIRA “JUSTIÇA SOCIAL”, A ATUAÇÃO DEFENSORIAL EM DEMANDAS ESTRATÉGICAS:

Desta forma, dentro da temática da Defensoria Pública: Memórias, Cenários e Desafios vislumbra-se um crescente fortalecimento da instituição defensorial, vem galgando e ocupando espaços no cenário jurídico atual.

Em um contexto de memória, em 1988 quando então a Defensoria Pública alcançou status constitucional vislumbrava-se uma acanhada atuação processual, em favor tão somente de pessoas com baixa condição financeira, e que não possuía condições de contratar advogado.

O cenário mudou. A realidade jurídico-processual é outra. A Defensoria Pública é outra. Mudou a letra da Carta Constitucional a partir de uma luta da própria instituição em favor do seu fortalecimento. Mas, mudou, principalmente, a forma de pensar e atuar juridicamente, em que o processo, a lide judicial perdeu espaço.

Tem-se então um novo cenário, voltado a uma ordem jurídica mais célere e justa, em que as amarras e formalismos processuais vagam em um plano de somenos importância, em que os atores processuais são outros, e o individualismo do processo cedeu espaço a uma atuação macro, visando o social, uma justiça social.

José Augusto Garcia de Sousa (2011, p. 186) analisando este novo cenário, menos individualista e mais voltado ao coletivo, esclarece que a defesa de indivíduos carentes pode ser feita com eficácia superior, em muitos casos, através da via processual coletiva; por outro lado, existem alguns processos individuais que geram benefícios formidáveis para a coletividade, ainda mais sob a égide do sistema de precedentes vinculantes que vem sendo implantado em nosso pais. A nova racionalidade institucional não significa isolar-se em um tipo ou outro de tutela processual, e sim valorizar, de modo crescente, as atividades mais afinadas com os anseios solidaristas da sociedade em que vivemos. A remodelagem do perfil da Defensoria Pública nada mais é do que um compromisso com atuações mais eficazes e satisfatórias socialmente.

Neste novo cenário a atuação estratégica ganha força, sejam com seus mecanismos extraprocessuais, tais como, diálogos administrativos, recomendações, termos de ajustamento de condutas, procedimento para apuração de dano coletivo (PADAC), mediação, educação em direitos, uso dos meios de comunicação e audiências públicas; ou ações judiciais, tais como, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção coletivo, pedido de suspensão de segurança, ação por ato de improbidade administrativa e ação popular, ou analisando novas figuras e papéis processuais desempenhados pela Defensoria Pública como custos vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis), nas ações de natureza possessória coletiva (Art. 554, § 1º do Código de Processo Civil), como amicus curiae (amigo da Corte) ou por meio do Habeas Corpus Coletivo.

Recentes casos de litigância estratégica vem revelando os desafios e o futuro próximo da Defensoria Pública. É a partir desse pensamento, de ser um elo de ligação, uma ponte, que a Defensoria Pública de Minas Gerais, em uma atuação estratégica de cunho especialmente humanitário, foi crucial no auxílio das vítimas e dos familiares de vítimas da tragédia de Brumadinho/MG. A Defensoria Pública Mineira atuou não só no esclarecimento dos direitos das vítimas, mas acima de tudo, como intermediadora nas situações de pagamento das doações de R$ 100.000,00 (Cem mil reais) pagas às vítimas e seus familiares, garantindo também o auxílio no fornecimento de itens de necessidades básicas e acomodações adequadas aos sobreviventes.

Buscou também a partir do diálogo com a Defesa Civil e com o Corpo de Bombeiros, conferir aos familiares informações sobre seus entes desaparecidos, auxiliando inclusive na confecção dos documentos. Até a conclusão dessa obra, a última atuação da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, em parceria com a Defensoria Pública da União e com outras instituições, foi no fechamento de um acordo no bojo de um processo judicial, visando atender a urgência na reparação dos danos decorrentes da tragédia.

Nesse sentido, tal forma de atuação vem possibilitando uma maior engenharia social entre a instituição e outros setores sociais e permitindo que se aprofunde o diálogo com organizações e movimentos populares, favorecendo uma rede de parcerias que pode se perpetuar ao longo dos anos e facilitar o desenvolvimento de outras atividades em busca pela pacificação social e transformação do contexto de desigualdade no qual se encontra inserida a maior parte da população brasileira.

Em outra atuação estratégica emblemática, desta feita, de natureza processual, a Defensoria Pública da União impetrou o Habeas Corpus nº 143.641 – junto ao Supremo Tribunal Federal, tendo como pacientes todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional, que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade sob sua responsabilidade. A decisão do Pretório Excelso veio justamente para assegurar o regime de prisão domiciliar para presas (mulheres) gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015) sob sua guarda, tirando-as do ambiente pernicioso da cadeia, em condições degradantes, podendo ofertar melhores condições aos seus filhos.

Atuar estrategicamente, portanto, é promover justiça social, uma justiça mais voltada para a satisfação dos envolvidos na solução do conflito, uma justiça mais humanizada, que esqueça números e amarras processuais, e visa a pacificação social. É um ideal a ser concretizado na luta pela igualdade de direitos e litigar de forma estratégica é o melhor caminho que a Defensoria Pública tem de alcançar esse ideal.CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atual modelagem institucional da Defensoria Pública é resultado de um movimento coletivo de busca de uma solução para o problema da desigualdade social em suas várias espécies e indica um desafio pela sua afirmação no sistema de justiça como resposta aos ataques que a instituição vem sofrendo no cenário nacional em razão da resistência exercida para fazer valer o que determina a Constituição.

Nesse contexto, a Litigância Estratégica surge como um instrumento eficaz de resistência na busca pela promoção da Justiça social. Trata-se de um mecanismo catalisador da atuação defensorial, tendo em vista o papel da Defensoria Pública na dinâmica constitucional marcada pela necessidade de proteção dos grupos sociais excluídos do exercício de seus direitos, uma vez que possibilita a atuação do(a) defensor(a) público(a) com uma rede de parceiros, usando de instrumentos que vão além do processo judicial, além do que é encontrado nas leis e nos livros de doutrina jurídica.

Buscou-se, com isso, fomentar a importância da atuação estratégica apresentando caminhos para uma efetiva atuação defensorial diante de conflitos estruturais. Porquanto, o papel do(a) Defensor(a) Público(a), enquanto agente de transformação social, demanda uma atuação Interdisciplinar, com a missão não só de resolver conflitos, mas de promover a justiça social.

Espera-se, portanto, contribuir para uma reflexão a respeito do assunto, sugerindo a necessidade de uma maior atenção das Defensorias Públicas (em todo o Brasil) para o exercício da Litigância Estratégica sempre que se depararem com conflitos estruturais, devendo servir de norte para o desenvolvimento da pesquisa dentro da instituição na busca por novas formas de mobilização a serem utilizadas para o desenvolvimento acesso à Justiça.

ANA MÔNICA ANSELMO DE AMORIM
Defensora Pública do Estado do Ceará

MONALIZA MAELLY FERNANDES MONTINEGRO DE MORAIS
Defensora Pública do Estado da Paraíba

 


¹Proferida por Daniel Sarmento em um debate na Conferência “Litigância Estratégica em Direitos Humanos” realizada pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, com apoio da Fundação Ford, no dia 7 de abril de 2016, no auditório da Fundação Getúlio Vargas, Escola de Direito, São Paulo. O debate teve o objetivo de refletir sobre os aspectos políticos, sociais e jurídicos envolvidos nas ações de litigância estratégica com vistas a fortalecer, ampliar e qualificar tais ações na defesa e promoção dos direitos humanos, em especial na atual conjuntura em que se encontra a sociedade brasileira. Daniel Sarmento é advogado e professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

 

REFERÊNCIAS

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POR UMA VERDADEIRA “JUSTIÇA SOCIAL”, A ATUAÇÃO DEFENSORIAL EM DEMANDAS ESTRATÉGICAS.

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