A REALIDADE DAS FAMÍLIAS ORGANIZADAS PELO MOVIMENTO SEM TERRA NA PARAÍBA: O CASO DO ASSENTAMENTO “OURO VERDE”
Raíssa Pacífico Palitot Remígio²
Saulo Lucio Dantas³
RESUMO:
O presente artigo surgiu da necessidade de denunciar um conflito agrário que tem sua origem no final dos anos de 2002, no litoral sul da Paraíba, permanecendo sem resolução, até os dias atuais. Sendo que os principais atores sociais dessa “estória” são constituídos pelas próprias famílias de trabalhadores/as rurais Sem Terra (famílias organizadas pelo Movimento Sem Terra) e os proprietários que reivindicam, em juízo, a posse do bem. A motivação de elaborar este artigo adveio de a Autora e o Coautor terem participado diretamente no caso tanto na esfera judicial quanto extrajudicial, como Defensora Pública e Advogado do MST, respectivamente. A relevância social do estudo é de conscientizar a sociedade acerca do que é um movimento social, sobretudo, o MST, de modo a desconstruir a imagem distorcida, veiculada pela mídia, de que é formado por invasores de terra que não querem trabalhar. No plano acadêmico-científico, o presente artigo se justifica diante da escassa literatura acerca dos estudos sobre processos de ocupação de propriedades rurais por famílias do MST na Paraíba. A importância jurídica deste artigo está baseada na denúncia que é feita sobre os discursos jurídicos com conteúdos, deveras, conservadores, discriminadores, hegemômicos e ideológicos utilizados pelos/as juízes/as que atuaram no presente caso, sempre ponderando pela proteção – quase absoluta – do direito à propriedade em detrimento dos direitos à vida, moradia, entre outros. Na metodologia, utilizou-se da pesquisa bibliográfica, por meio das leituras de autores, como, Maria Moura (1988), Maria da Glória Gohn (1997), Mitsue Morissawa (2001), Pierre Bourdieu (2004), Ana Valéria Araújo (2016), Maurílio Casa Maia (2016), além da técnica de análise de discurso, vez que foram levantados e analisados os discursos jurídicos, envolvendo as decisões judiciais que determinaram e determinam o cumprimento de ordem de reintegração de posse em desfavor das famílias ocupantes da Fazenda Alvorada. A conclusão que se tira do estudo é que as famílias organizadas pelo Movimento Sem Terra enfrentam todo tipo de ataques e descasos, seja por parte dos grandes latifundiários, seja por parte dos governantes e até mesmo dos operadores do direito, que insistem em “desqualificar” o movimento.
Palavras-chave: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Conflito agrário. Território. Direitos Humanos.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema de investigação “A Realidade das Famílias Organizadas pelo Movimento Sem Terra na Paraíba: o Caso do Assentamento ‘Ouro Verde’”. Um conflito agrário envolvendo trabalhadores/as rurais Sem Terra e proprietária (inventariante) da Fazenda Alvorada, localizada na zona rural do Município de Caaporã, litoral sul da Paraíba. O caso abrange uma ação judicial (ação possessória multitudinária) promovida em janeiro de 2003 pelos proprietários da área, para reaver suposta posse do imóvel acima, ocupado por mais de 30 famílias hipervulneráveis, desde dezembro de 2002.
As famílias que ocupam aquelas terras deram um novo nome para a fazenda, denominando-a “Acampamento Ouro Verde.” Segundo relatos, a palavra Acampamento se dá, em virtude de que as famílias consideram a área provisória em um processo de se tornar um Assentamento de Reforma Agrária e Ouro Verde, pelo fato de a terra ser muito produtiva ou, como as próprias famílias dizem, “o que plantar dá”.
A ocupação4 da Fazenda Alvorada ocorreu no final do ano de 2002, quando dezenas de famílias do Movimento Sem Terra se organizaram e ousaram arriscar suas vidas por um pedaço de terra, reivindicando o direito à moradia, ao trabalho, saúde e educação, garantidos por meio da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), sendo que esse conflito vem se arrastando até os dias atuais, com a participação de vários atores do campo institucional, exemplificando, Juízes, Promotores, Polícia Militar, Advocacia Popular, Defensoria Pública do Estado da Paraíba e a própria Universidade, por meio do Laboratório de Geografia Agrária, vinculado ao Departamento de Geociências da UFPB.
Destaca-se, nesse processo, a atuação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), por meio do procedimento administrativo de desapropriação, para fins de reforma agrária, a atuação da Advocacia Popular e Defensoria Pública do Estado da Paraíba e a própria Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que por meio de um laudo técnico, foi partícipe desse caso.
O interesse em aprofundar a discussão em torno dessa temática decorreu da participação, de forma direta, da Autora e do Coautor do presente artigo, no Caso da Fazenda Alvorada, seja assessorando e dialogando com as famílias acerca dos direitos humanos, políticas públicas, a exemplo do próprio tema da reforma agrária, o exercício da cidadania, entre outras temáticas, seja na defesa extrajudicial ou na seara judicial, por meio do processo que se arrasta no Poder Judiciário paraibano, desde o começo da ocupação (em 2002) e que ganhou novos capítulos ao longo desses anos inclusive com vários cumprimentos de ordem de reintegração de posse (despejos).
Justifica-se esse estudo por ser de fundamental importância analisar os discursos jurídicos que estão “por trás” das decisões judiciais, envolvendo proprietários de terras de um lado e famílias do Movimento Sem Terra do outro; para além da discussão jurídica, já numa perspectiva social, torna-se importante entender qual o papel real dos movimentos sociais que lutam por terra – em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outros atores institucionais, como, a própria Defensoria Pública e a UFPB.
Alguns dos objetivos elencados nesse estudo se deram numa perspectiva emancipatória com os “deserdados5 da terra”, discutindo a questão da democratização da terra, por meio de políticas públicas, análise de documentos, processos administrativos de desapropriação para fins de reforma agrária, decisões judiciais dos/as vários/as magistrados/as que decidiram acerca do caso e identificação dos argumentos jurídicos e políticos utilizados por sortidos personagens dessa longa e triste história que, até o exato momento6, não teve seu desfecho.
Assim sendo, importante destacar que metodologicamente foi realizado um estudo teórico-crítico, à luz de uma análise descritiva a respeito da temática geral que reflete diretamente no conflito agrário supracitado, analisando escritos, em especial de autores como: Maria Moura (1988), Maria da Glória Gohn (1997), Mitsue Morissawa (2001), Pierre Bourdieu (2004), Ana Valéria Araújo (2016), Maurílio Casa Maia (2016), os quais deram alicerce à construção do presente texto. Além disso, utilizou-se a técnica de análise de discurso, por meio de alguns discursos reunidos em torno do caso, tendo como principais protagonistas: os juízes e as juízas que atuam e atuaram no caso, a exemplo de Romero Carneiro Feitosa
Por fim, para um melhor aprofundamento da temática, o artigo está estruturado da seguinte forma. Inicialmente, buscou-se abordar o processo de ocupação da Fazenda Alvorada. Em seguida, analisaram-se os discursos jurídicos, técnicos e políticos do Caso da Fazenda Alvora. Para tanto, abordaram-se a posição do Poder Judiciário nas decisões judiciais, a atuação do INCRA no processo administrativo, para fins de reforma agrária, a tentativa de resolução do conflito pela advocacia popular, a intervenção da Defensoria Pública do Estado da Paraíba e da UFPB, por meio do Laboratório de Geografia Agrária do Departamento de Geociências.
2. O MST E A OCUPAÇÃO DA FAZENDA ALVORADA
Antes de aprofundar como ocorreu o processo de Ocupação da Fazenda Alvorada, localizada na zona rural do Município de Caaporã, litoral sul do Estado da Paraíba, entendeu- se a necessidade de trazer alguns elementos acerca do Movimento Social que organizou as famílias que ousaram arriscar suas vidas por um “pedaço de terra”, isto é, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O MST é um movimento social de luta não só pela terra – política pública de Reforma Agrária7 – como também por políticas públicas, busca combater a miséria brasileira. Sem perder de vista que a terra é o começo para a construção de novas políticas públicas, como, saúde, moradia, educação, entre outras.
Mas, que seria um movimento social? Conforme os ensinamentos de Gohn (1997) os Movimentos sociais:
São ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo de força social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciados pelo grupo na sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que criam uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em espaços coletivos não- institucionalizados. (GOHN, 1997, p.251).
A primeira ocupação da Fazenda Alvorada protagonizada pelas famílias Sem Terra e coordenada pelos militantes do movimento social analisado foi no final do ano de 2002, logo após o natal. A justificativa principal das famílias era que a propriedade não cumpria o princípio constitucional da função social da terra.8
Importante destacar que a palavra “simultaneamente”, no seio do caput do artigo 186 da CRFB/88, cumpre destaque normativo com valoroso sentido. Determina que os proprietários de terra cumpram todos os requisitos impostos nos incisos do dispositivo jurídico, isto é, o não cumprimento de um só inciso enseja descumprimento da função social.9
Para além dessa justificativa jurídica, é preciso um olhar mais atento a outras de cunho social, econômico e político, até porque a falta de efetivação de políticas públicas para os que vivem marginalizados nas periferias das pequenas e grandes cidades acarreta o surgimento desse tipo de fenômeno.
A partir do momento da ocupação – que se deu com 40 (quarenta) famílias – a terra que antes era ocupada por uma pessoa apenas – o chamado “morador” da fazenda, pois a proprietária, segundo os relatos dos/as acampados/as mais antigos, morava na capital – tornou-se terra ocupada por várias outras famílias, essas, por sua vez, produzindo alimentos para consumo próprio e para as feiras locais.
Por fim, importante destacar que, antes da ocupação, o monocultivo da propriedade era basicamente cana de açúcar, sendo reconfigurada para o plantio de diversos alimentos, à luz dos princípios agroecológicos, como, macaxeira, inhame, feijão, milho, abacaxi, banana, mamão, coqueiros, graviola, acerola, maracujá, dentre outras plantações. Em 2018, de lavouras temporárias, as famílias produziram um total de 202,4 toneladas. Só de inhame, por exemplo, nesse mesmo ano, a produção foi de 106,6 toneladas. (GARCIA, MOREIRA, 2019).
3. ANÁLISE DOS DISCURSOS JURÍDICOS, TÉCNICOS E POLÍTICOS DO CASO DA FAZENDA ALVORADA
No presente tópico, será analisada, a partir de uma metodologia teórico-crítica e da técnica de análise de discursos, a posição do Poder Judiciário nas decisões judiciais, a atuação do INCRA no processo administrativo, para fins de reforma agrária, a tentativa de resolução do conflito pela advocacia popular, a intervenção da Defensoria Pública do Estado da Paraíba e da UFPB, por meio do Laboratório de Geografia Agrária do Departamento de Geociências.
3.1 A posição do Poder Judiciário: direito à vida x propriedade privada
Após a ocupação, o conflito social se tornou litígio, em virtude de que a herdeira da propriedade ajuizou ação, na tentativa de se manter na posse da propriedade, que naquele momento, já estava, em sua maioria, com as famílias de Sem Terra, uma vez que elas começaram a produzir e lavrar a terra.
O principal argumento jurídico da autora da ação baseou-se nos institutos jurídicos da posse e propriedade, à luz do Código Civil, afirmando existir uma turbação do bem, isto é, que houve certo embaraçamento, no livre exercício da autora em gozar e usufruir da posse.
Após a citação das famílias pelo oficial de justiça, essas não manifestaram defesa por meio de advogado/a e, muito menos, a Defensoria Pública, na época, foi convocada para garantir o direito de defesa delas, restando apenas a revelia no processo, isto é, a defesa não contesta o alegado na peça inicial da ação.
No dia 06 de janeiro de 2003, poucos dias após a ocupação, o Magistrado responsável para decidir sobre os conflitos agrários na Paraíba (Comarca da Capital), decidiu pelo deferimento da liminar, acatando todos os pedidos da parte autora, para que fosse determinada a manutenção de posse da inventariante, e que os “invasores” fossem retirados da propriedade, adotando algumas medidas cautelares, conforme segue:
(…) à luz do dia, sem qualquer violência e com todas as cautelas necessárias, para que se evite qualquer tipo de constrangimento físico às pessoas ali encontradas, principalmente mulheres, crianças, velhos e enfermos, preservando-se, igualmente, todos os seus pertences, mormente instrumentos de trabalho. Tais cuidados e cautelas, no entanto, não poderão justificar falta de exação no cumprimento do mandado, devendo ser presos em flagrante todos aqueles que opuserem resistência10, desacato ou desobediência, em especial aqueles que se utilizarem de violência no sentido de obstar o cumprimento da determinação judicial, devendo as prisões ser imediatamente comunicadas ao Juízo da Comarca. Deverá ainda o oficial de justiça identificar os promovidos e verificar a existência de lavouras que tenham sido plantadas pelos mesmos, descrevendo-lhes, estado e área.11
A ordem judicial foi cumprida pelo oficial de justiça, por meio de força policial, no dia 29 de janeiro de 2003 (1.ª ordem de reintegração de posse), e as famílias retiraram seus pertences e deixaram as terras, todavia, como o poder público não ofereceu alternativas no quesito alojamento provisório, isto é, moradia, as famílias reocuparam a propriedade em meados de fevereiro, conforme auto circunstanciado lavrado pelo oficial de justiça.12
Após novo peticionamento pelos advogados da autora, no sentido de reafirmar os argumentos da petição inicial, o juiz competente decidiu novamente por deferir a liminar nos mesmos termos da decisão anterior, no mês de março de 2003.
No dia 11 de abril do ano de 2003, foi cumprida nova decisão (2.ª ordem reintegração de posse), por meio da força policial, conforme ofício enviado pelo comando da Polícia Militar da Paraíba, para o Juiz de Direito da Vara de Conflitos Agrários e do Meio Ambiente da Capital.13
Em maio do ano de 2003, a Fazenda Alvorada foi reocupada pelas famílias do Movimento Sem Terra, voltando a construir suas moradias e cuidando das lavouras que já estavam em fase de colheita (principalmente aquelas que as máquinas não destruíram no momento da última reintegração de posse).
Conforme as fls. 128 dos autos processuais, o mesmo magistrado voltou a decidir acerca da problemática, no sentido de, para além de ser favorável ao despejo das referidas famílias que lutavam pela efetivação da política pública de reforma agrária, utilizou-se de palavras com cunho ofensivo, pois segundo o julgador,
Valendo-se da tibieza e, por que não dizer do indisfarçado contubémio existente entre altas autoridades e certos movimentos sociais, indivíduos de duvidosa origem levam o desassossego e a desordem a diversos setores, especialmente ao campo. A inapetência de altos setores do Governo de darem solução definitiva ao problema social, que inegavelmente existe, e a incapacidade de exercerem autoridade por receio de desviarem-se de uma trajetória marcadamente populista que elegeram como opção política, transformam camponeses em vândalos, cordeiros em lobos, e acicata lideranças declaradamente empenhadas em subverter a ordem social e agredir o regime. Incentivados por atos e pronunciamentos demagógicos partidos de altas autoridades, lideranças de turvas intenções sentem-se à vontade para desrespeitar as instituições e tentar substituir as leis por palavras de ordem, e a luta pelo social pela guerrilha social. O caso dos autos é bem um exemplo do desrespeito à ordem e à legalidade, quando se desobedece sistematicamente uma determinação judicial e se ameaça abertamente a propriedade alheia e a incolumidade de pessoas. Nos presentes autos de ação de manutenção de posse, este Juízo já, por duas vezes,concedeu liminar a favor do proprietário. Agora, ocorre novamente o autor e mais urna vez informa que sua posse estás novamente agredida pela ação de indivíduos que instalam-se na propriedade e impedem o acesso a ela por parte de seus legítimos possuidores. Ante a prova documental produzida, defiro o pedido no sentido de renovar as determinações de manutenção anteriores, e determino a expedição de mandado de manutenção de posse, cujo cumprimento será solicitado ao MM Juízo da Comarca de Caapora(PB). (…) Oficie-se igualmente à autoridade da Polícia Civil, no sentido de ser instaura do inquérito para identificar e indiciar os invasores, devendo cópia do mesmo ser remetida a este Juízo, tão logo concluídos os trabalhos inquisitórios.14
Nesta última decisão, verificamos claramente o cunho ideológico, no sentido de resguardar o direito de propriedade, sem mesmo trazer para a discussão jurídica, se cumpria ou não o princípio constitucional da função social da terra antes da ocupação. Para além do fato de trazer para sua decisão elementos político-partidários, demonstrando certa parcialidade na sua decisum, já que adotou um discurso proprietário e representando os interesses dos latifundiários. Esse conteúdo hegemônico das decisões judiciais é o que Wolkmer nos diz que, ao interpretarem, os juízes não deixam:
(…) de ser afetados por sua concepção elitista do mundo. Cabe lembrar aqui alguns fatores condicionantes, como a notória influência da formação familiar; a forma típica de educação, seja conservadora, seja liberal- democrata; os valores de sua classe social; o isolamento e o preconceito em relação aos setores populares, bem como às aspirações e tendências ideológicas de sua profissão. (WOLKMER, 2000, p. 193).
Infelizmente, o Judiciário desperdiçou a oportunidade de exercer seu papel contramajoritário e contra hegemônico, o qual, segundo Wolkmer:
(…) ao Juiz compete a função política de transformar os parâmetros tradicionais da instância dogmática e formalista do Direito. Esta contribuição é por demais incisiva, tanto na prática judicial alternativa, em benefício dos setores sociais menos favorecidos, quanto na apreciação real das necessidades fundamentais da vida social e na realização dos fins libertários do Direito; pois, este, enquanto fenômeno universal, deve ser a ‘afirmação possível da libertação conscientizada’ e não instrumento de controle e repressão de um um bloco de poder hegemônico. (WOLKMER, 2000, p. 187).
Nesse mesmo período, isto é, em outubro de 2003, ao decidir novamente sobre o caso deferindo a liminar em favor da parte autora, o magistrado envia novamente oficio para o comando da Polícia Militar – a fim de que seja cumprida a decisão e que guarnições se instalem no local – como também, e pela primeira vez desde a instalação do conflito ora em litígio, foi comunicado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), para que tivesse a oportunidade de se manifestar nos autos, uma vez que as famílias reivindicavam aquelas terras para fins de acesso à política pública de reforma agrária.
Em novembro de 2003, houve uma tentativa de cumprimento de ordem de reintegração de posse, todavia não houve êxito, em virtude de que, no dia, representantes do INCRA estavam presentes e mostraram o mapa topográfico da área em litígio, e, após apresentação da área, ficou confirmado que as famílias não estavam acampadas na área em litígio, e sim num assentamento de reforma agrária que fica ao lado da área, e que a terra em litígio estava sendo usada apenas por algumas famílias para o plantio de alimentos.
Após o INCRA ser oficiado pelo magistrado, a sua Procuradoria atravessou petição no sentido de esclarecer alguns pontos, para que o litígio pudesse ter um desfecho, explicando que a Fazenda Alvorada confronta-se com um assentamento de reforma agrária (assentamento de reforma agrária retirada ou Capim de Cheiro), no qual o INCRA tem imitido na posse desde o ano de 1995, e que as famílias não estão acampadas na área da Fazenda Alvorada, e mesmo assim, o juiz indeferiu o requerimento do INCRA e reafirmou a decisão que já tinha proferido anteriormente, reafirmando de que lado estava, efetivamente.
Em fevereiro de 2004, os oficiais de justiça tentaram mais uma vez cumprir a ordem judicial de reintegração de posse, porém, ao se deslocarem para a área, perceberem que, em verdade, as famílias não estavam mais acampadas na Fazenda Alvorada e sim no assentamento do INCRA, e apenas eram utilizadas as terras da Fazenda Alvorada para o plantio de alimentos, conforme certidão lavrada pelo oficial de fls. 193.
A estratégia jurídica dos advogados da parte autora foi propor um “interdito proibitório”, que segundo o antigo Código de Processo Civil – CPC/73.15
Em março de 2004, o juiz decide o interdito proibitório, seguindo o mesmo raciocínio jurídico e político das decisões anteriores, sendo, pela primeira vez, dada a oportunidade de o Ministério Público – enquanto fiscal da Lei – ter conhecimento do caso, e se desejasse, se manifestar, vejamos:
Numa clara demonstração de que as Autoridades Competentes não têm condições de manter a ordem pública e garantir um mínimo de segurança à população, mais uma vez este Juízo é chamado a conceder proteção possessória diante da ameaça representada por indivíduos que se valendo da leniência e até mesmo do acumpliciamento de determinadas autoridades. Os invasores que inicialmente tentavam permanecer na propriedade invadida, Fazenda Alvorada, agora mudaram de tática e invadem a propriedade para depredar suas instalações e fundar lavouras de seu interesse e, após executarem seus desígnios, retiram-se para as vizinhanças, com a finalidade de evitar as ordens de reintegração. Ao novo pedido, são anexadas várias comunicações feitas à autoridade policial local, inclusive dando conta da ocorrência de vandalismo e ameaças, sem que fosse tomada qualquer atitude por quem de direito. A situação e as provas apresentadas permitem a concessão liminar de providência no sentido de proteger a posse dos promoventes. No estrito cumprimento de seu dever constitucional de fazer cumprir a lei, este Juízo, diante das provas apresentadas, concede a liminar postulada e determina a expedição do competente mandado, de INTERDITO PROIBITÓRIO a ser cumprido por meirinho da Comarca de Caaporã (PB).16
Segue a lide com novas decisões no mesmo sentido das anteriores, tendo em vista novos pedidos de manutenção de posse e reintegração, tendo como parte promovida um novo personagem, isto é, um terceiro que arredou a propriedade e, para além disso, a proprietária peticionou representação criminal, com o intuito de criminalizar as famílias acampadas.
Uma nova decisão chama a atenção, no que tange ao cumprimento das ordens judiciais, que, segundo a magistrada da Comarca de Caaporã, “(…) o Estado, embora revestido de obrigação para cumprimento das decisões judiciais, a meu ver, vem fazendo tábula rasa do judiciário, posto que, reiterados expedientes foram encaminhados ao setor competente para cumprimento da liminar retro (…).”17 Em verdade, a juíza pretendeu responsabilizar o Estado por não cumprir, de imediato, a decisão de reintegração de posse, só que muitas normas processuais e materiais não foram observadas pelo Judiciário, como será demonstrado em tópicos posteriores.
3.2 O processo administrativo de desapropriação para fins de reforma agrária: A atuação do INCRA
Importante destacar que, a partir do momento em que os movimentos sociais (em especial o MST) ocupam uma propriedade, começa-se um processo de reivindicação de um direito – política pública de reforma agrária – chamando a atenção do poder público para a implementação de assentamentos de famílias de trabalhadores/as rurais, configurando verdadeira participação política de classes excluídas18.
Após algumas mobilizações do próprio movimento social, seja ocupando o INCRA, marchas estaduais ou até mesmo visitas na própria autarquia, foi pautado o Caso da Fazenda Alvorada desde sua ocupação. Isso demonstra o poder de influência dos movimentos sociais nas políticas públicas, como exemplifica Penna (2013) ao citar o Caso de Eldorado dos Carajás, ocorrido nas regiões sul e sudeste do Pará. Após o massacre, a pressão exercida pelos movimentos sociais culminou na criação de uma nova Superintendência Regional do INCRA na região, no ano de 1993.
Em março de 2004, foi instaurado o processo administrativo de desapropriação de n.º 54320.000388/2004-97, para que a área fosse vistoriada pelos técnicos da autarquia e assim fosse diagnosticado se a área cumpria ou não a função social e se ela teria como ser desapropriada.
No dia 29 de março de 2004, o INCRA enviou oficio para a proprietária, no sentido de comunicar que a área seria vistoriada para levantamento de dados, classificação e informações do imóvel, conforme as fls. 07 do referido processo administrativo.
Conforme certidão de fls. 08 do processo supracitado, após visita do técnico do INCRA, em abril de 2004 na residência da proprietária, essa recusou receber o oficio referente à vistoria do imóvel, pois alegou que a área era objeto de litígio.
Segundo o parecer da Procuradoria Federal do INCRA, o entendimento foi que a área, mesmo estando ocupada, deveria ser vistoriada, e o processo administrativo seguisse seu rito normal, conforme fls. 26 dos autos administrativos e segundo fls. 28, a proprietária da fazenda, por meio de aviso de recebimento (AR) recebeu em mãos oficio do INCRA, solicitando a vistoria na área, tendo ciência de que aquela área era objeto de desapropriação.
Para surpresa do INCRA, a proprietária ajuizou Mandado de Segurança na Justiça Federal contra ato do Superintendente do INCRA na Paraíba, buscando tutela jurisdicional que suspendesse qualquer vistoria, avaliação ou formulação de decreto expropriatório da área, conforme as fls. 37 do processo administrativo.19
Segue parte da decisão do Juiz Federal responsável por julgar o Mandado de Segurança, em caráter liminar,
(…) Ora, de uma ilicitude não pode gerar em seu exclusivo favor uma licitude. Seria o mesmo que transmudar a natureza de um ato originariamente ilegal em legal, apenas para satisfazer as conveniências e, oportunidades de grupos sociais, que, nos últimos tempos, vem aterrorizando proprietários de terras e fazendas em todo o país. A Carta Política de 1988, ao consagrar a função social da propriedade, não outorgou, nas duas faces da mesma moeda, carta de alforria aos menos favorecidos de invadirem ou ocuparem ilicitamente imóveis ou prédios públicos, sob pena de subverter o prestígio e a primazia que o texto constitucional desejou conferir a legalidade e aos expedientes legais de desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. […] Diante desse cenário, DEFIRO O PEDIDO DE LIMINAR formulado pela Impetrante na inicial, para determinar a suspensão de qualquer ato administrativo já desencadeado ou na iminência de se desencadear pelo Impetrado tendente a proceder à realização de Vistoria, avaliação ou formulação de pedido de expedição de decreto expropriatório em relação à Fazenda Alvorada, localizada no município de Caapora/ PB até o deslinde final desta ação mandamental ou ulterior deliberação judicial em sentido contrário […].20
A Autarquia apelou (recorreu) da sentença do Juiz Federal de primeiro grau, e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgou nesse sentido:
EMENTA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRARIA. IMÓVEL OBJETO DE INVASÃO POR PESSOAS PERTENCENTES AO MOVIMENTO DOS SEM—TERRA. FATO COMPROVADO POR BOLETIM DE OCORRÉNCIA. VISTORIA. NULIDADE. ESBULHO. TEMPO LIMITADOR DA REALIZAÇÃO DE
NOVO LAUDO. MP 2.027-3 8/2000. . 1. O imóvel rural esbulhado não pode ser Vistoriado para fins expropriatórios visando à reforma agrária, conforme determinam o art. 4º do Decreto 2.250/97 e a Portaria 225/98, do INCRA, sendo nulo, de pleno direito, o procedimento administrativo que infringe essas normas. 2. O art. 4º da MP 2.027-38, de 04/05/2000, acrescentou ao art. 2º da lei 8629/93 o parág. 6.°, limitando no tempo, a realização dos laudos de vistoria de imóveis desapropriandos, que só se pode efetivar, tendo havido esbulho, pelo menos dois anos após a desocupação da área 3. Invasões comprovadas por boletim de ocorrência que atestam que, por mais de uma vez, as áreas em questão foram invadidas por integrantes do MST, restando nela acampado um número razoável de barracas de acampamento. 4. Ilegalidade de vistoria pelo INCRA. 5. Apelação e remessa improvidas.
O INCRA, por meio de sua Procuradoria Federal, recorreu até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), todavia o recurso especial não foi conhecido21 e, assim, os argumentos jurídicos não foram apreciados.
Em 2010, o INCRA enviou oficio à magistrada da Comarca de Caaporã, informando que o processo administrativo de desapropriação para fins de reforma agrária foi arquivado em 200422 e que a Autarquia tinha interesse em adquirir a área, por meio de compra direta, com base nos Decretos 433/92, 2.614/98 e 2.680/98, tentando, várias vezes, realizar tratativas com a proprietária, com o intuito de solucionar o conflito.
3.3 O caso à luz dos dias atuais: tentativa de resolução do conflito por meio da advocacia popular
Em 2012, o processo novamente “ganhou” um novo julgador, juiz competente da Vara de Feitos Especiais da Comarca da Capital paraibana. Até o presente momento, setembro de 2019,julga o caso, sendo que, em abril daquele ano, abriu vistas ao Ministério Público para dar parecer23 sobre as alegações da autarquia responsável na realização da política pública de reforma agrária.
Somente em 2014, as famílias ocupantes da Fazenda Alvorada (Acampamento Ouro Verde), conseguem fazer a defesa dos seus direitos, por meio da advocacia popular (advocacia voluntária de advogados/as que defendem os direitos humanos) cujo desafio/função é:
“(…) colaborar nas transformações dos paradigmas do direito, realizando a defesa técnica das causas populares. Tornando-se, assim, fundamental garantir nossa autonomia ténica mas é imprescindível ter clareza de saber respeitar o protagonismo do povo explorado e oprimido, verdadeiro sujeito das transformações24.”
Os advogados populares peticionaram, no sentido de apontar alguns elementos fundamentais, entre eles: quase 100 hectares de plantações diversificadas, descumprimento da função social da terra pela proprietária, agendamento de audiência com representantes do INCRA, Governo do Estado da Paraíba e a própria autora da ação, para que o conflito pudesse ter um desfecho pacífico, garantindo os direitos de ambos os lados.
Nesse momento, começa um processo de acompanhamento do caso, por meio da advocacia popular, assessorando as famílias e buscando alternativas, para que tivessem seus direitos garantidos.
A audiência de conciliação das partes foi realizada em agosto do ano de 2014, na Comarca da Capital, com todas as partes envolvidas, com exceção do representante do Governo do Estado da Paraíba e Ministério Público, sendo que o INCRA, por meio do seu representante, manifestou interesse na compra do imóvel, todavia a proprietária não aceitou, e o processo seguiu.
Em maio de 2017, uma nova audiência foi realizada (na comarca de Caaporã), estando presentes dois representantes do INCRA e representante da Fazenda Pública, não sendo frutífera a audiência, em virtude da ausência do advogado da parte autora, sendo marcada nova audiência.25
Em maio de 2018, o juízo da Comarca da Capital envia oficio ao INCRA para que manifestasse se há alguma possibilidade na compra do imóvel. No mesmo sentido, o INCRA responde que há sim, interesse na compra do imóvel, todavia esbarra na ausência de vontade da venda do imóvel por parte da proprietária.
Já em outubro de 2018, a representante do Ministério Público opta no seu parecer, pela manutenção da liminar que deferiu o pedido de reintegração de posse para a parte autora, mesmo havendo interesse na compra do imóvel pelo INCRA, solicitando ainda que o comando da Polícia Militar fosse convocado para cumprir a decisão retro.26
Dois meses após o parecer, o juiz da Vara de Feitos Especiais decide novamente com base no direito fundamental à propriedade privada, desconsiderando todo o contexto social, econômico e político, reafirmando a antiga liminar.27
3.4 A Defensoria Pública do Estado da Paraíba na defesa dos Direitos Humanos
A vulnerabilidade estrutural das pessoas que ocupam o local atraiu, após provocação da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão na Paraíba28 e de alguns ocupantes, a intervenção da Defensoria Pública do Estado da Paraíba, já que é função constitucional da instituição a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos coletivos, de forma integral e gratuita das pessoas necessitadas29.
A Defensoria Pública atua no Caso Ouro Verde na condição de “custos vulnerabilis”, em decorrência, sobretudo, da inovação legislativa prevista no art. 554, § 1.° do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15)30, e em dois eixos: judicial, dentro do processo, e extrajudicial, configurando uma litigância estratégica.
A função de “custos vulnerabilis” ou “guardião dos vulneráveis”, para Maia (2016, p. 1253-1225), “se dá não em nome da parte, mas nome próprio, isto é, a Defensoria Pública atuando em nome da instituição, com base no seu interesse constitucional, objetivando assegurar sua missão constitucional: de guardiã dos vulneráveis”.
A litigância estratégica, por sua vez, segundo Araújo (2016, p. 8):
É uma ampliação desse conceito (litigância) para abranger não só a noção tradicional do Direito, mas também um conjunto de ações de advocacy e comunicação para incidência no Legislativo e no Executivo, com o objetivo de viabilizar políticas públicas que defendam e efetivem direitos dos diversos segmentos vulneráveis da sociedade. Ela é estratégica porque não é qualquer ação, mas sim aquela que tem uma dimensão emblemática, capaz de criar precedentes e gerar resultados positivos. Tais resultados terão efeito multiplicador, transformando-se em exemplos bem sucedidos a serem aplicados em outros casos similares, possibilitando assim um salto na garantia dos direitos humanos.
A litigância estratégica em direitos humanos, especificamente, consiste em uma maneira de resolução de conflitos, mediante casos paradigmáticos, envolvendo violação de direitos humanos de grupos de pessoas, com reflexos para além do caso concreto e envolvendo uma coletividade. Engloba atuação judicial e extrajudicial, visando a maior efetividade possível e superando o aspecto meramente individual do problema.(AMORIM, MORAIS, 2019, p. 42).
No Caso Ouro Verde, no plano judicial, a Defensoria Pública apresentou manifestação no processo, em abril de 2019, pela primeira vez. Alegou, preliminarmente, nulidade por descumprimento ao disposto no art. 554, § 1º do CPC/15. Isso porque, a instituição não foi intimada para intervir nos autos como “custos vulnerabilis”, a partir de 18 de março de 2016, data em que o CPC/15 entrou em vigor. Requereu a anulação do processo, desde esse dia.
Outra nulidade suscitada foi o descumprimento dos preceitos contidos na Resolução n.° 10 de 17 de outubro de 2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). A mencionada norma prescreve medidas preventivas e ações que tutelam os direitos humanos de pessoas inseridas em uma conjuntura de conflitos fundiários coletivos, urbanos e rurais, envolvendo grupos que demandam proteção especial do Estado, como, indígenas, quilombolas e trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra. Prima pela solução do litígio, por meio da autocomposição e da conciliação, privilegiando os princípios da cooperação, boa fé, razoabilidade, proporcionalidade, legalidade, publicidade e eficiência. Visa aos fins sociais e ao resguardo da dignidade da pessoa humana31.
De acordo com a mencionada Resolução, antes de apreciar a liminar, o órgão julgador deverá adotar algumas medidas, entre elas: a) intimar a Defensoria Pública, independentemente de advogado constituído pelas partes, para exercer sua função constitucional de promoção e defesa dos direitos humanos, b) verificar se o autor da ação judicial possessória comprovou a função social da posse do imóvel, o exercício da posse efetiva sobre o bem e, caso a posse decorra da propriedade, se apresentou título válido, c) avaliar o impacto social, econômico e ambiental das decisões judiciais, d) realizar inspeção judicial, com intimação prévia das pessoas afetadas32.
No Caso “Ouro Verde”, esses preceitos da Resolução em comento foram desobedecidos. Embora existam sucessivas decisões liminares, determinando a retirada dos ocupantes da área em conflito, sendo a primeira publicada ainda no ano de 2003, a penúltima delas foi exarada em dezembro de 2018. Desse modo, a norma do Conselho Nacional de Direitos Humanos já estava em vigor e deveria ser observada, daí por que a Defensoria Pública também requereu a nulidade processual, com fulcro nesse ato normativo do CNDH.
No mérito e subsidiariamente, a Defensoria Pública requereu que fosse sobrestado o cumprimento da decisão que determinou imediatamente a reintegração de posse, até que os órgãos com atribuição para elaborar e executar políticas públicas de reforma agrária e habitação apresentassem propostas viáveis para aquisição do imóvel ou para realocação das famílias que nele habitam. Pediu também, que fosse oficiada a Prefeitura Municipal de Caaporã, o Estado da Paraíba e as Ouvidorias Agrárias para se manifestarem no processo.
Entretanto, os pedidos de declaração de nulidade do processo, foram todos indeferidos. No mérito, o juiz, sequer, apreciou os requerimentos, sob o argumento de que deixaria para analisá-los em outro momento.
Houve, portanto, evidente descumprimento de imperativos legais, ocasionando, ainda mais, desequilíbrio na paridade de armas processual, uma vez que a inovação legislativa do CPC/15, ao determinar a intimação e a atuação da Defensoria Pública como guardiã dos vulneráveis, considera a complexidade das ações possessórias multitudinárias as quais envolvem um conflito entre fundamentais existenciais (direito à moradia, alimentação, ao trabalho) e patrimoniais (valor econômico do bem). (FARIAS, CHAVES. 2018, p. 111). Deveras, não é possível tratar um litígio como o Caso Ouro Verde da mesma forma que se trata uma ação judicial com efeitos meramente individuais. Para ações judiciais complexas, decisões judiciais e tratamento processual adequados, sob pena de a própria Justiça cometer iniquidades incalculáveis.
Na esfera extrajudicial, a Defensoria Pública oficiou à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Humano33, solicitando agendamento de reunião para tratar das alternativas para o caso Ouro Verde. Em reunião realizada no dia 22 de abril de 2019, a Secretária de Desenvolvimento Humano se comprometeu a oficiar ao Gabinete do Governador do Estado, para que informasse se haveria interesse na compra do imóvel rural onde as famílias estavam acampadas. Até o momento, não houve resposta oficial do Governador do Estado, existindo, no entanto, notícias extraoficiais de interesse na aquisição de parte da área do acampamento.
Extrajudicialmente e também para subsidiar a defesa judicial dos direitos das famílias ocupantes, a Defensoria Pública solicitou um estudo do caso ao Departamento de Geociências da UFPB, a fim de que fosse realizado um levantamento socioeconômico do acampamento.
3.5 Laudo técnico da Universidade Federal da Paraíba – UFPB
O Laboratório de Geografia Agrária do mencionado Departamento, Campus I da UFPB, por meio das Pesquisadoras, Doutoras María Franco Garcia e Emília de Rodat Fernandes Moreira, elaborou um relatório técnico, após pesquisa científica realizada nos meses de abril e maio de 2019. O estudo partiu de alguns questionamentos:
a)por que as famílias do Acampamento Ouro Verde permanecem tantos anos vivendo em condições precárias, mas resistindo a sua expulsão e ao consequente desmantelamento do Acampamento? b) o que explica a permanência das famílias numa luta tão longa e difícil? c) qual a esperança que alimenta essas famílias? d) quais as condições socioeconômicas dos acampados que são demonstrativas de sua vulnerabilidade e quais as que lhes garantem minimamente sua reprodução social? e) qual a importância da desapropriação da Fazenda Alvorada para as famílias acampadas? (GARCIA, MOREIRA, 2019, p.3).
A pesquisa do Departamento de Geociência da UFPB possuiu cunho analítico- descritivo, baseando-se em análise documental e bibliográfica, além de trabalho de campo, com a realização de entrevistas e a distribuição de 34 questionários, possibilitando a coleta de informações sobre todas as famílias. Situou-se em dois eixos: caracterização da população acampada; produção, comercialização e valor dos produtos agrícolas.
Depreende-se do Relatório que a ocupação iniciou em dezembro de 2002, com 40 famílias que montaram barracas de lona e logo iniciaram o plantio de alimentos. Em 2003, os acampados deixaram o local, após uma ação de reintegração de posse. Ainda, de acordo com o estudo, a ocupação ocorreu, porque a função social da área não era respeitada. “Conforme um dos entrevistados: ‘(…) A visibilidade era de abandono total. Alguns pés de cana perdidos em meio ao capim e ao mato crescido permitiam se perceber claramente o total estado de abandono da terra.” (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 1).
O estudo demonstra o processo de territorialização e desterritorialização pelos quais as famílias passaram. Elas saíram e retornaram ao local em 2006, em razão da falta de emprego e visando a garantir uma sobrevivência digna. Nesse mesmo ano, o Assentamento Capim de Cheiro, localizado na retaguarda da Fazenda Alvorada e a sudoeste do Município de Caaporã, cedeu uma parte da terra às famílias que retornaram, onde vivem até hoje. (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 2).
O primeiro eixo do estudo é relativo à caracterização da população acampada. Constatou-se que, em abril de 2019, eram 103 pessoas e 34 famílias cujos chefes de todas trabalham na agricultura, com o auxílio de outras 28 pessoas inclusive crianças. Entre os acampados e as acampadas 76 trabalham. Dos 103, 45 são do sexo feminino e 58; masculino. Dos 34 clãs, 19 estão na ocupação desde o início, há 17 anos; portanto. As demais; há cerca de 14 e 16 anos (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 4).
A maioria das famílias é natural do Município de Caaporã/PB (32,4%). Cerca de 18% são de Goiana/PE. Outras são oriundas de Alhandra, Conde, Sapé, Sobrado, todos municípios da Paraíba, além de Igarassu e Itapissuma, ambos situados na Zona da Mata de Pernambuco. Originárias do Agreste Paraibano são 8.
Constatou-se que a maior parte é natural da Zona Canavieira dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, caracterizadas pela “concentração de pobreza, sobretudo no âmbito da população ocupada nas atividades monocultoras como a cana de açúcar e o abacaxi.” (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 5-6).
Ainda sobre o primeiro eixo do estudo e a caracterização da população, evidente a hipervulnerabilidade das famílias, considerando as suas condições de vida cujos elementos representativos tomados pelo levantamento foram as características das moradias e o acesso a bens utilitários básicos. Por exemplo, apenas uma única casa tem água encanada, somente 11 tinham banheiro34 (fora de casa, geralmente) e 16 continham fossa enquanto a eletricidade estava presente em só 24 delas. (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 18).
A estrutura das casas é bem precária: “Das 34 moradias existentes no acampamento, oito têm apenas 1 cômodo; dezesseis têm 2 cômodos; sete têm 3 cômodos; uma tem 4 cômodos e duas são maiores e possuem 5 cômodos e mais.” (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 17). Essa quantidade de cômodos inclusive pode ser considerada indicador de uma das inadequações domiciliares, qual seja, o “adensamento domiciliar excessivo, definido como uma situação onde o domicílio tem mais de três moradores para cada cômodo utilizado como dormitório” (IBGE, 2018, p. 63).
Com relação ao acesso aos utensílios domésticos, o levantamento do estudo evidenciou a escassez:
A maior parte das famílias possuem basicamente o fogão a gás, a geladeira e a televisão. Liquidificador e ventilador são os dois outros itens mais presentes. De uma forma geral, porém são muito parcos os números de utensílios básicos à vida cotidiana das famílias. Grande parte não possui nem mesmo geladeira ou fogão a gás. (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 17).
O segundo eixo do estudo coletou dados sobre a produção, comercialização e valor da produção agrícola, realizando um inventário dessa produção. O parâmetro foi o ano de 2018, levando em consideração ainda “alguns aspectos da produção de 2019, uma vez que, em abril, quando a pesquisa foi realizada, ainda faltava colher muita lavoura” (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 7). Foram considerados também:
(…) a área plantada, a quantidade produzida, a quantidade comercializada e o valor obtido com a comercialização segundo o local e a forma da comercialização das lavouras temporárias. […] foi possível calcular a produtividade e o rendimento bruto das lavouras. Com relação à lavoura permanente foi possível apenas fazer um inventário das culturas (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 7).
Todas as famílias exploravam, em 2018, lavouras temporárias e permanentes, em lotes que vão de 1,5 a 6 hectares, perfazendo o total de 100 hectares, aproximadamente.
As lavouras temporárias plantadas em 2018 corresponderam a 292,4 toneladas e são as de mandioca, milho, inhame, macaxeira, abacaxi, feijão macassar, mulatinho e verde, batata doce e abóbora. Só de inhame, por exemplo, foram produzidas 106,6 toneladas em uma área de 24,4 hectares, com uma média de 4,4 toneladas por hectar. No entanto, o estudo constatou que está abaixo da média da Paraíba, a qual é de 5 toneladas por hectar. Isso ocorre, devido à falta de uma orientação técnica e também à não utilização de técnicas e tecnologias mais adequadas as quais, se existissem, provavelmente, contribuiriam para elevar a produtividade das lavouras.
O aperfeiçoamento dessas técnicas e teconologias inclusive poderia ser feito, por meio de políticas públicas, como, o Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar (Pronaf) o qual destina uma linha de crédito aos assentamentos. Esses recursos poderiam ser utilizados para a compra de equipamentos, tratamento da água, irrigamento.
As culturas mais plantadas e com maior produtividade são de inhame, macaxeira e mandioca, correspondendo a mais de 60% do total de toda a produção (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 8).
A relevância da produção desses alimentos ficou demonstrada, na medida em que garante, minimamente, segurança alimentar às famílias que consomem o que produzem, além do que a renda gerada com a comercialização dos produtos agrícolas possibilita a aquisição de outros alimentos. Para além disso, essa produção também é importante no giro do comércio local. Isso porque a comercialização das culturas temporárias e permanentes é feita, geralmente, por meio de atravessadores ou venda direta nas feiras de Caaporã/PB e Alhandra/PB ou ainda de maneira diversificada: na feira livre, pelos atravessadores, nos Centros de Abastecimento (CEASA), entre outros.
Os dados colhidos com a comercialização das lavouras temporárias demonstram um fenômeno interessante: a renda média mensal das famílias que vendem essas produções é de R$ 1.103.36. Supera, portanto, o salário mínimo nacional que era de R$ 954,00 em 2018 e ainda o rendimento mensal domiciliar per capita médio real no Nordeste, o qual era de R$ 984,00, em 2017 (IBGE, 2018). “O rendimento anual gerado pela comercialização das culturas em 2018, segundo o levantamento realizado foi de R$ 476.652,50.” (GARCIA, MOREIRA, 2019, p. 10).
Já as lavouras permanentes são as plantações de fruteiras. As famílias acampadas plantaram 12 tipos, perfazendo o total de 8.750 pés de fruta do início do acampamento até o mês de maio de 2019, entre elas: banana, coco, maracujá, mamão, acerola, jaca, limão, goiaba, manga, caju, graviola, abacate. Elas são destinadas tanto ao consumo quanto à comercialização.
A comercialização dos produtos agrícolas contribui efetivamente para a sobrevivência das famílias. A pesquisa analisou o consumo e a renda mensal de 18 famílias. O consumo abrange alimentos, produtos de necessidades básicas que não são produzidos pelas famílias, como, materiais de higiene básica. Constatou-se que o gasto mensal, em média, é de R$ 692,02. Considerando que a renda média gerada pelas lavouras temporárias é de R$ 1.103,36, conclui-se que é de suma importância a produção realizada pelos acampados para sua sobrevivência.
Observa-se, desse modo, que as famílias acampadas respeitam os mandamentos constitucionais de cumprimento da função social da propriedade, dando destinação sustentável à terra ocupada, de modo que tratá-las como invasoras, indivíduos de duvidosa origem que levam o desassossego e a desordem a diversos setores, especialmente ao campo – linguagem própria da sociedade do espetáculo (GUY, 1997) – evidencia um discurso jurídico hegemônico, dotado do que Bourdieu (2004, p. 213) denomina “violência simbólica”.
4. Considerações finais
Primeira consideração conclusiva que pode ser destacada é a evidência de que, em todas as decisões judiciais – seja do juízo de Caaporã, seja do juízo da Vara de Feitos Especiais da Comarca da Capital – o entendimento majoritário é o respeito à propriedade privada em detrimento de outros direitos fundamentais e sociais.
Outra é a demonstração clara do descaso do Poder Público junto às famílias de trabalhadores/as rurais Sem Terra que reivindicam o direito à reforma agrária, devidamente normatizado, por meio da Política Pública de Reforma Agrária, conforme previsão constitucional e, mesmo havendo tratativas entre a autarquia responsável em realizar a reforma agrária e a proprietária da fazenda – esta se mantendo resistente em não ceder a terra para desapropriação e venda direta – não houve resolução do conflito. Até o exato momento, as famílias ainda correm risco de serem despejadas da posse da terra com suas produções, de suas moradias e, acima de tudo, do direito de viver com dignidade, em virtude de mais uma decisão judicial que a ser cumprida por Oficial de Justiça e Comando da Polícia Militar.
Extraiu-se ainda do presente estudo que o direito à posse da terra e o princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido na Carta Magna brasileira de 1988, são basilares, para que haja um horizonte em busca de justiça social e concretização dos direitos humanos, pois, quando os trabalhadores rurais são indagados sobre o que desejam de fato, afirmam buscarem dignidade, e esta vem, primeiramente, por meio do acesso à terra, segundo eles.
Esse caso demonstra que a luta dos trabalhadores/as rurais para a efetivação da política pública de reforma agrária se dá em dois campos de batalhas. Em síntese apertada, sendo o primeiro, na organização das famílias, produção e autosustentação, sem esperar que o Poder Público (Estado) faça o que é seu dever, e, por outro lado, no campo institucional, por meio de articulações entre advogados/as que defendem os direitos humanos, Defensoria Pública e pesquisadores da Universidade comprometidos na realização de defesas técnicas, estudos e pesquisas na busca pelo respeito aos ditames constitucionais que agasalham os menos favorecidos.
Concluiu-se que as ações promovidas pelo MST, além de legítimas, são necessárias, para que haja um processo de democratização da terra, em busca da efetivação de dispositivos constitucionais consagrados pela Carta Cidadã, a saber, artigos 1.º, inciso II e III, 3º, incisos I, III e IV, 5.º, caput, 6.º, caput, 170, inciso III e 184 a 191, entre outros, além de tradados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário.
Ademais, um dos principais objetivos do Movimento Sem Terra não é a propriedade privada que estão ocupando.35
Em verdade, o ato de ocupar uma terra, que não cumpre a função social, é uma ação legítima, sobretudo em face da sociedade civil e do Poder Público, para que este adote as medidas cabíveis acerca da política pública de reforma agrária, uma vez que serve para conceder terras aos que querem produzir, desapropriando os grandes latifúndios improdutivos do Brasil. Como o próprio movimento afirma em seus gritos de ordem: “Reforma Agrária na Lei ou na Marra.”
1 GT 09
2 Defensora Pública e Mestranda em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: raissappr@gmail.com
3 Advogado e Mestrando em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. E-mail: sldantas.advocacia@gmail.com
4 Segundo os juristas Fábio Comparato, Luiz Edson facchin e Régis de Oliveira, a respeito da diferenciação dos termos ocupar e invadir dentro da temática da atuação do movimento Sem Terra: “Existem profundas diferenças entre invadir e ocupar. Invadir significa um ato de força para tomar alguma coisa de alguém em proveito particular. Ocupar significa, simplesmente, preencher um espaço vazio – no caso em questão, terras que não cumprem sua função social – e fazer pressão social coletiva para a aplicação da lei e a desapropriação” (MORISSAWA, 2001, p.132).
5 Termo utilizado por Margarida Maria Moura na sua obra intitulada: “Os deserdados da terra: a lógica costumeira e judicial dos processos de expulsão e invasão da terra camponesa no sertão de Minas Gerais.”
6 Setembro de 2019.
7 Art. 184 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.”
8 Art. 186 da CRFB/88. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
9 Existe em tramitação no Senado Federal uma Proposta de Emenda à Constituição de nº 80 de 2019, de autoria do Senador Flávio Bolsonaro que modifica esse dispositivo no sentido de ampliar – no nosso ponto de vista – o descumprimento da função social por parte dos proprietários de terras, senão vejamos: “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural é utilizada sem ofensa aos direitos de terceiros e atende, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, ao menos um dos seguintes requisitos: § 1º O descumprimento da função social de que trata o caput somente será declarado por ato do Poder Executivo, mediante autorização prévia do Poder Legislativo, ou por decisão judicial. § 2° A desapropriação por descumprimento da função social será feita pelo valor de mercado da propriedade rural.” Acesso em: 23 set. 2019. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136894.
10 Importante destacar que, em uma tentativa antidemocrática, a Sugestão Legislativa n.° 2/2018 previa o seguinte “Criminalizar o MST, MTST e outros movimentos sociais que invadem propriedades”. Por mais incrível que pareça, a maioria dos votos foi pelo apoio à criminalização. Felizmente, o Relator da Comissão de Direitos Humanos do Senado, rejeitou-a.
11 Processo judicial (autos físicos) de nº 20020030012302. pp. 18-19 e (autos digitais) de nº 0032480- 68.2011.8.15.2001
12 P. 64 dos autos processuais.
13 Segundo o auto circunstanciado lavrado pelo oficial de justiça, no local já não existia somente cana de açúcar, e sim plantações de feijão, milho, macaxeira, abóbora, verduras, batata doce e melancia, comprovando a reconfiguração daquelas terras por meio do trabalho daquelas famílias. Pág. 91 dos autos processuais.
14 Autos processuais de nº 20020030012302. p. 28. Grifo nosso.
15 Art. 932. O possuidor direto ou indireto, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.
16 Autos processuais de fls. 214. Grifo nosso.
17 Fls. 402 dos autos processuais.
18 Importante mencionar que, em 2018, Dilei Aparecida Schiochet, militante do MST, recebeu o Prêmio Ceci Melo de Participação Social do Governo da Paraíba, o qual homenageia mulheres por seu destaque nas atuações sociais. Disponível em: http://www.mst.org.br/2018/04/02/lideranca-do-mst-e-principal-homenageada-em- premio-de-participacao-social-do-governo.html. Acesso em: 23 set. 2019
19 Mandado de Segurança de nº 2004.82.00.010970-0
20 A sentença foi no mesmo sentido. Grifo nosso.
21 O recurso não conhecido ou não recebido é aquele que não preenche os pressupostos de admissibilidade. Por exemplo, é apresentado fora do prazo.
22 Por fim, o processo administrativo de desapropriação para fins de reforma agrária encontra-se sobrestado, isto é, parado sem nenhuma movimentação e muito menos realizado a vistoria, desde novembro de 2004, até deliberação judicial em sentido contrário.
23 Acabou que o parecer do representante do Ministério Público, somente veio à tona em abril de 2018, colocando a importância de uma nova audiência que representante do INCRA e da fazenda, para que possam entrar em um acordo para aquisição da área.
24 Cadernos RENAP. Advocacia Popular caderno especial, n. 6, mar. 2005, p. 106.
25 Foi marcada e realizada nova audiência em julho de 2017, todavia, não compareceram os representantes do INCRA para realização de tratativas com a proprietária.
26 Em dezembro de 2018, o juízo da comarca da capital reforça novamente o cumprimento da decisão que outrora autorizava a reintegração de posse.
27 O interessante é que a parte autora atravessou nova petição em fevereiro de 2019, informando ao juízo que a mesma recebeu uma proposta de compra da fazenda, por parte de uma fábrica de automóveis, isto é, a Wolkswagen. Fls. 655 dos autos processuais.
28 Por meio do então Procurador Regional dos Direitos do Cidadão, José Godoy Bezerra de Souza.
29 Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
30 Art. 554. A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados. § 1º No caso de ação possessória em que figure no polo passivo grande número de pessoas, serão feitas a citação pessoal dos ocupantes que forem encontrados no local e a citação por edital dos demais, determinando-se, ainda, a intimação do Ministério Público e, se envolver pessoas em situação de hipossuficiência econômica, da Defensoria Pública. (grifo nosso)
31 Art. 1º Esta resolução tem por destinatários os agentes e as instituições do Estado, inclusive do sistema de justiça, cujas finalidades institucionais demandem sua intervenção, nos casos de conflitos coletivos pelo uso, posse ou propriedade de imóvel, urbano ou rural, envolvendo grupos que demandam proteção especial do Estado, tais como trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra e sem teto, povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais, pessoas em situação de rua e atingidos e deslocados por empreendimentos, obras de infraestrutura ou congêneres.
32 Art. 7.° da Resolução n.° 10 de 17 de outubro de 2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).
33 Por meio da então Secretária Estadual, Gilvaneide Nunes da Silva.
34 De acordo com o IBGE, no PNAD Contínua de 2017, 2,6% da população, isto é, 5,4 milhões de brasileiros que moravam em domicílios particulares permanentes não possuíam banheiro de uso exclusivo dos moradores. (IBGE. Síntese de indicadores sociais. Uma análise das condições de vida da população brasileira 2018, p. 63).
35 Ao visitar as famílias, percebemos que não desejam ser proprietários de terra, e sim, apenas, manter-se em cima dela, na posse da terra, para poder tirar o sustento e promover melhorias de vida. Ademais, no nosso
Referências
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simples e humilde entendimento, propriedade nada mais é do que mera ficção, um pedaço de papel carimbado por uma instituição estatal, e, por outro lado, temos a posse, que nada mais é do que pura realidade, pois é na posse da terra que se constrói a vida e dignidade à luz do trabalho dignificante de cada família.
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