A nossa Legislação punitiva penal, em seu art. 129, § 3º, trata-se de crime de lesão corporal seguida de morte.
Art. 129
(…)
- 3º – “Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”.
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.
Diminuição de Pena
- 4º – Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 (um sexto), a 1/3 (um terço).
Como se vê o crime de lesão corporal seguida de morte “é um delito preterintencional, com dolo no antecedente e culpa no conseqüente” (RT, 392/133).
É sabido que além do dolo e da culpa, existe outra forma de culpabilidade: é o preterdolo ou preterintenção.
À luz da doutrina pátria o crime preterdoloso é “aquele cujo resultado vai além do dolo, da vontade do agente”.
Temos como exemplo clássico e acadêmico de crime preterdoloso é “quando o indivíduo que, desejando ferir a vítima, desfere-lhe um soco no rosto. A vítima com o golpe, vai ao solo, bate a cabeça, fratura o crânio e morre”.
As opiniões dos nossos renomados doutrinadores é que neste caso existem dois delitos nos chamados crime preterdoloso a saber: “o menor (crime que o agente queria realmente praticar), atribuível ao título de dolo, e o delito maior (que realmente vem a se verificar) imputado a título de culpa”.
– Da jurisprudência do crime em comento.
“A lesão corporal seguida de morte é um crime preterintencional, como dolo no antecedente e culpa no conseqüente” (RT. 392/133).
– Inexistência da causa de aumento de pena – TJSP:
“O delito previsto no art. 129, § 3º, do CP é preterdoloso, pois envolve, além do dolo, também a culpa. Este último elemento torna impossível a aplicação do aumento de pena prevista no art. 61, II, c. do mesmo diploma” (RT 621/308).
“Entre os meios executivos não adequados ao resultado morte está, por exemplo, o soco. Quando de um simples soco resulta a morte da vítima, ou porque, ou porque frature ao seu excepcionalmente frágil osso frontal , ou porque acarrete a sua desastrada queda, há que se acontecer, precisamente, o homicídio preterdoloso.
Num estudo que faço sobre o delito esportivo, já tive a oportunidade de acentuar que um cros na têmpora pode ocasionar a morte, se deferido com invulgar violência. Assim, o fato de ter sido o meio executivo em simples soco na região frontal nem sempre excluirá o animus occidendi, Admitamos, porém, que no caso vertente, esteja inteiramente excluída a hipótese da culpa ad recém. Não está, entretanto, afastada a hipótese da culpa no subseqüente, uma caracterização do crime de lesão corporal seguida de morte , previsto no art. 129, § 3º do Código Penal. Tal ilação seria de se admitir em matéria penal quando o agente, ao produzir o resultado não querido, versava in re ilícito. É a justificação de Bataglini (voto do Min. N. Hungria, do STF “In Revista Trimestral de jurisprudência”, 13/260).
“A diferença entre a lesão corporal seguida de morte e o homicídio culposo está em que, na primeira, o antecedente é um delito doloso e, no segundo, num fato penalmente, indiferente, ou quando muito, contravencional. Assim, se a morte for conseqüência de simples vias de fato (empurrão que causa a queda da vítima e a lesão mortal), haverá homicídio culposo” (TJSP – AC – Rel. Des. Jarbas Mazzoni – RT 599/322).
– Lesão corporal seguida de morte – Policiais que agridem um bêbado – Quando deste ao solo, com fratura de crânio e conseqüentemente morte – Resultado não querido, porém previsível, dada as circunstâncias – Condenação mantida – Pena, porém reduzida – Inteligência do art. 129, § 3º do Código Penal.
Uma agressão violenta contra um ébrio, a socos, pontapés e empurrões, traz em si o risco de quedas e fraturas. O indivíduo embriagado que cai, via de regra choca-se com o primeiro obstáculo, sem nenhuma defesa. E encerra a potencialidade do pior resultado (RT 486/260).
“Lesão corporal seguida de morte – Delito praticado pelo acusado contra a própria filha, menor de dois anos – Tapas deferidas no rosto ocasionando queda e morte – Condenação mantida – Voto vencido – Inteligência do art. 129, § 3º do Código Penal.
“A intitulação do delito como lesão corporal seguida de morte está condicionado a que o contexto das circunstâncias do fato acontecido evidencie que o querer do agente não inclui, nem mesmo eventualmente, o resultado “morte” produzido por ato daquele” ( TJSP – AC – Rel. Des. Onei Raphael – RT 592/325).
Inexistindo tentativa em crime culposo, evidentemente não é admissível a tentativa em delito preterrintencional.
O delito de lesão corporal seguida de morte igualmente não admite a forma tentada, por incompatibilidade do instituto da tentativa como própria conceituação de crime do art. 129, § 3º do Código Penal.
Damásio Evangelista de Jesus ensina:
“A lesão corporal seguida de morte não admite a figura da tentativa. O resultado qualificador culposo não admite tentativa. Trata-se de circunstância objetiva, comunicável em caso de concurso de agentes, desde que a morte tenha ingressado na esfera do conhecimento dos participantes” (ob. Cit, p. 136).
Resumidamente, podemos dizer que Magalhães Noronha opina “no sentido de impossibilidade de crime de lesão corporal seguida de morte na forma tentada. O consagrado autor argumenta que a vontade não é dirigida ao dizer que o agente tentou obter esse resultado”.
Vejamos os entendimentos de Heleno Cláudio Fragoso:
“A lesão corporal seguida de morte realiza, precisamente, a hipótese oposta à tentativa de homicídio, de que resultem apenas lesões corporais. Nesta o agente quis matar e somente feriu ; naquela, quis ferir e matou”.
Nelson Hungria em rápidas palavras esclarece que:
“Na forma típica da lesão corporal seguida de morte, está conceitualmente excluída a tentativa, por ausência do dolo necessário para que ela se constitua. O dolo em relação ao resultado transforma o fato em tentativa de homicídio”. (ob. Cit, p. 212).
– Do juiz competente:
O crime de lesão corporal, em suas diversas graduações, tendo em conta a gravidade do resultado, está no título dos crimes contra a pessoa, mas não se insere dentre os crimes contra a vida. Logo não é de competência do Tribunal do Júri. Assim não vai a julgamento pelo júri. Não se trata de crime contra a vida, embora resulte a morte da vítima.
Em plenário do júri o Conselho de Sentença achar por bem em desclassificar o crime de homicídio para o crime de lesão corporal seguida de morte, a seção é suspensa e o processo será incontinenti encaminhado para o juiz singular proferir o julgamento.
O art. 65 do Código Penal trata das circunstâncias atenuantes. Ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral ou sob a influência de violenta emoção provocada por ato injusto da vítima.
No art. 4º do art. 129 do mesmo Diploma legal, em epígrafe, as mesmas circunstâncias autorizam o juiz, no caso, a reduzir a pena de um sexto a um terço.
“Quanto da violência emoção existe a diferença de que enquanto aquele caso como simples circunstância atenuante genérica, é considerada qualquer violenta emoção, desde que o agente tenha praticado o crime ainda sob a sua influência, neste é exigida que o agente tenha praticado o crime, não mais sob a simples influência mas sob o domínio da emoção e também logo em seguida a provocação da vítima .
Assim, sendo fica facultado ao juiz reduzir a pena de um sexto a um terço.
“Para isto, como se trata de uma faculdade e não de uma obrigação, deverá o juiz ter em vista, inclusive, os antecedentes e a personalidade do agente, a intensidade do dolo, bom como os motivos, as circunstâncias e as conseqüências do crime, como determina o art. 59 do CP, além da própria finalidade de pena, que deve ser fundamentada, a defesa social e a recuperação do criminoso”. Assim, assevera o Prof. F. A. Gomes Neto.
–Privilegiadora e atenuante.
“Trata-se de homicídio, de lesão ou lesão seguida de morte, a causa especial de diminuição de pena atua se o crime é cometido logo em seguida a injusta provocação (emoção choque) e quando a violência da emoção domina o agente. Já a atenuante genérica do art. 65, III, c, do CP não exige a emoção choque, mas apenas a emoção estado , aludindo ma influência de violenta emoção” (TJSP – AC – Rel. Dante Busana – RT 625/268).
“Se a vítima da entrada no hospital com sintomas de intoxicação exógena e com traumatismo crânio cefálico, provocado pelo agente e vem a falecer em razão dessa lesão, não se pode afastar a responsabilidade deste, mesmo que a intoxicação possa ter contribuído para o resultado” (TJMS – AC – Rel. Nildo de Carvalho – RT 700/365).
“O preceito legal do art. 129, § 4º, do CP, não transige como ódio guardado, rancor concentrado ou vingança tardia” (JTACrim 23/348).
– Da Desclassificação do crime de homicídio para o crime de lesão corporal seguida de morte.
Em julgamento em plenário do júri já tive oportunidade em cinco vezes, em casos específicos, em comarcas diferentes n, de argüir a tese de lesão corporal seguida de morte e não de homicídio qualificado em favor dos Assistidos pela DPE/PB, onde o Conselho de Sentença, por maioria de voto, desclassificou o crime de homicídio (crime contra a vida) para o crime de lesão corporal seguida de morte. Naquela oportunidade o(a) Magistrado(a) Presidente do Tribunal do Júri suspendeu o julgamento passando a competência para o juiz singular.
Tendo por findo a série legal de justificativas, discriminantes, dirimentes e isenções legais, empregadas pelo Defensor, ainda restam as desclassificações que não justificam nem isentam, mas que trazem proveito quando não há outras defesas melhores.
Conseguir transformar uma tentativa punível numa tentativa não punível, com o arrependimento eficaz. Conseguir transformar um crime doloso em um crime culposo, afirmando que os fatos não se deram pela vontade premeditada do agente. Conseguir diminuir a gravidade do crime. São alguns destes exemplos de desclassificações capazes de melhorar a situação do acusado, cabendo ao Defensor, em cada caso, estudar em particular as possibilidades deste recurso da defesa.
Carlos Roberto Barbosa
Defensor Público
em Exercício na 7ª Vara Criminal de João Pessoa