Para início de conversa, deixo para meditação dos meus diletos colegas Defensores Públicos o que Deus nos fala no Livro de Salmos 41:1 a 3
BEM-AVENTURADO É aquele que atende ao pobre; o Senhor o livrará no dia do mal.
O Senhor o livrará e o conservará em vida; será abençoado na terra e tu não o entregarás à vontade de seus inimigos.
O Senhor o sustentará no leito da enfermidade; tu o restaurarás da sua cama da doença.
Aprendi desde cedo, quando ainda acadêmico, com o insigne mestre Irajá Pereira Messias, em sua obra jurídica “Da Prova Penal”, Impactus Edições, pág. 51, que:
“Para alcançar a vontade do legislador, com referência ao conceito de direito de defesa, e da sua amplitude que esse direito deve alcançar, não bastará apenas que o réu tenha advogado constituído ou defensor público, mas é essencial, sob pena de nulidade que haja defesa efetiva e real, para completa obediência de tais preconceitos, tanto constitucionais, como supra constitucionais.
Existem defesas em que o descaso do defensor é patente.
Elabora defesa em poucas linhas e não arrola testemunhas, participa passivamente das audiências, sem nenhuma intervenção, sem qualquer repergunta ou formulando perguntas inócuas, sem qualquer conteúdo aproveitável, apenas para marcar presença e, esgotada a instância probatória, não requer nenhuma diligência e elabora alegações vazias de conteúdo, de forma superficial, sem nenhuma profundidade em temas defensivos. Por última deixa transitar em julgado uma sentença condenatória, sem interpor qualquer recurso quando cabível.
A lei quer mais que isso. A lei quer um defensor atuante e a sua atitude não pode ser meramente contemplativa, inerte, apenas para atender formalidade do processo. A defesa há de ser combativa, eficiente, pertinaz, que significa dizer que deva esposar teses absurdas ou abstratas, requerendo diligências infundadas apenas para mostrar esse empenho ou fazer reperguntas que não garantem conexão ou referência com os temas que interessem à defesa, apenas para cumprir essa formalidade. “Mas dentro da natureza do processo e da consonância com a prova que deva ser produzida, a defesa deve atuar”.
É fato de que nos dias atuais o maior índice de crimes de furto, roubo e homicídio estão relacionados ao consumo de droga lícita (álcool) e ao consumo e tráfico de drogas ilícitas (substâncias entorpecentes). Segundo as pesquisas realizadas pelo Escritório das Nações Unidas para drogas e crimes, “cerca de 205 milhões de pessoas usam algum tipo de drogas ilícitas ou não”.
No Brasil cerca de um milhão e meio de pessoas são viciadas só no “crak”; Em cada cinco dependentes químicos, um morre por causa do “crak”; em dez dependentes no “crak”, quatro deles já foram presos; E em cada três dependentes apenas um se recupera.
Só para ter em síntese uma noção histórica, o “crak surgiu no cenário brasileiro da droga entre os anos de 1986 e 1987, principalmente em São Paulo, maior mercado do país.
Sendo a cocaína em estado cristalizada o “crak” é mais potente e perigoso, tendo um potencial forte para o uso e abuso, levando muito rapidamente a dependência.
Devido a seu baixo custo de produção e no efeito extremo que causa ao viciado, o “crak” se tornou uma das drogas mais abusadas no mundo inteiro causando tragédias pessoais e familiares, sem distinção de classe social ou grau de instrução.
Quanto ao álcool (droga lícita), além dos crimes acima mencionados, bem como nas infrações penais de trânsito e até crimes sexuais a ele é atribuídas outras mazelas no seio dos bons costumes e cumprimento às leis.
Posso testificar, o que já disse em outra oportunidade, sem sombra de duvida que noventa por cento dos processos concernentes aos crimes contra a vida (quer consumados ou tentados) em que funcionei em defesa dos assistidos pela Defensora Pública, o réu e/ou a vítima, antes do fato criminoso tinham bebido, estavam bebendo ou iam beber.
Por incrível que possa parecer tenho verificado que desses processos criminais, em epígrafe, da competência do Tribunal do Júri em que funcionei, setenta por cento deles, réu e vítima “eram amigos”, se conheciam, sem levar em consideração o grau de parentesco existente entre eles.
Sabemos que “a embriaguez consiste em um distúrbio físico-mental resultante de intoxicação pelo álcool ou substância de efeito análogo, afetando o sistema nervoso central”.
Pelo fato do acusado está embriagado na hora do crime não o isenta de pena.
De conformidade com a nossa Legislação Objetiva Penal, para a isenção de pena, necessário se faz provar que o agente estava em estado de embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior, era ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (art. 28, § 1º do CP – redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Portanto, a pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da omissão a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se com esse entendimento.
“Em matéria de embriaguez, são provas hábeis sua comprovação, tanto o laudo de exame clínico, fundamentado de acordo com quesitos previamente estabelecidos e subscrito por profissional médico, como também os depoimentos das testemunhas, que derivam da observação primeira do estado etílico do acusado, a qual a observação clínica depois se seguirá” (TACRIM – SP – AC – Rel. Luiz Ambra –RJD – 14/67).
O bem da verdade, em vários processos que tramitam nas Varas Criminais o usuário de drogas ilícitas, a exemplo do viciado no “crak” e sua potente dependência psíquica frequentemente leva aqueles que não têm condições financeiras para bancar o vício cometem delitos (furtos e/ou roubos) para obter a droga desejada.
Entretanto, na maioria das vezes o dependente químico age de todo modo sob o efeito da referida substância, ou seja, totalmente desprovido da vontade de lesionar a vítima patrimonial ou fisicamente.
Levando em consideração o efeito de drogas ou sua abstinência no organismo do réu, certamente não houve a vontade livre e consciente de subtrair (dolo), caso estivesse sóbrio tal atitude não teria ocorrido, caso contrário teria melhor compreensão da ilicitude do fato certamente não cometeria o crime.
Nesse mesmo diapasão cabe ao defensor do réu estabelecer se o acusado tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permite ter consciência e vontade de lesionar (“animus furandi”). Deve-se, sobretudo analisar sua condição pessoal e sanidade mental do mesmo.
Vejamos a inteligência do art. 26 do Código Penal:
Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”
Estipula o artigo 45 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (que Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas):
Art. 45 – É isento de pena o agente que, em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Parágrafo único – Quando absolver o agente, reconhecendo, por força pericial, que este apresentava, à época do fato previsto neste artigo, as condições referidas no caput desde artigo, poderá determina o juiz, na sentença, o seu encaminhamento para tratamento médico adequado.”
Assim, convém também evocar as palavras do Prof. Fernando Capez (“Curso de Direito Penal: Parte Geral, 2005, p. 306”).
“A imputabilidade apresenta, assim, um aspecto intelectivo, consistente na capacidade de entendimento, e outro volitivo, que é a faculdade de controlar e comandar a própria vontade. Faltando esses elementos, o agente não será considerado responsável pelos seus atos”
Vejamos agora o disposto no art. 149, caput, do Código de Processo Penal que diz;
“Quando houver dúvidas sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal”.
A seguinte jurisprudência:
Penal: RÉU DEPENDENTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. AUSÊNCIA DE EXAME TOXICOLÓGICO. SENTENÇA ANULADA. “HABEAS CORPUS” CONHECIDO DE OFÍCIO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTUDA CLAUSURADO. I – havendo veementes indícios de que o réu é viciado em substância entorpecente, a falta de exame pericial configura manifesto cerceamento de defesa, que determina a anulação da sentença. II – Sendo indispensável a realização de dependência toxicológica, oportunamente requerido pelo réu, sua realização era de rigor [ …]
(1588MS 1999. 03. 99. 001588-3, Rel. Juiz Ferreira da Rocha, DJ data 01/09/1999, pág. 202).
Como se vê, não apenas problemas de ordem mental levam a pessoa à inimputabilidade, mas há outras causas que podem retirar o poder de discernimento da pessoa. O Novo Código Civil, Lei nº 10.406/02, assim faz constar em seu artigo 1.767, “in verbis”:
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;
II – aqueles que, por outra causa duradoura, não poderem exprimir a sua vontade;
III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos (GRIFO NOSSO);
IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V – os pródigos.
Mas, voltando ao foco da presente discussão, para que a pessoa, no caso do artigo 45 da Lei nº 11.343/2006, seja declarada inimputável, duas situações devem se fazer presentes:
Primeiro, deve ter havido uma ingestão ou uso acidental de droga, proveniente de caso fortuito ou força maior;
Segundo, a influência do tóxico na pessoa deve ser de tal ordem que a mesma, no momento da ação ou da omissão era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se consoante este entendimento ou estava em abstinência de drogas.
Enfim, só é inimputável aquele que, ao tempo da conduta (ação ou omissão) em razão da dependência, ou sob o efeito, proveniente de caso fortuito ou força maior, de droga, era, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar de acordo com esse entendimento: o agente pode entender o fato, mas não o caráter ilícito de sua conduta, e nessa hipótese, é inimputável.
Quando interrogado pela autoridade judicial o nominado declarou-se dependente, admitindo o uso de substância psico-ativa química, assim, é imprescindível a realização de exame pericial para constatação da capacidade plena de entendimento do caráter ilícito do fato e/ou de autodeterminação conforme esse entendimento.
Também nesta hipótese a obrigatoriedade na realização do exame de dependência toxicológica nos parece evidente, pois se for invocada como razão de defesa e não for permitida a realização do exame pericial para obtenção da prova, haverá supressão de fase procedimental. Assim o cerceamento do direito de defesa restará configurado, bem como não se terá seguido o princípio do devido processo legal assegurado no artigo 5º, inciso LIV da Carta Política de 05/10/1988.
Oportuna é a lição do jurista, Prof. Valmir Bigal quando diz que:
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- “O indeferimento da realização de exame de dependência toxicológica, qualquer que seja a infração penal, representará nulidade insanável, pois haverá evidente cerceamento do direito de defesa em afronta ao princípio da ampla defesa insculpido no artigo 5º LV da Lei Maior”
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A imputabilidade não se presume e para acolhida deve ser aprovada em condições de absoluta certeza. A prova da inimputabilidade do acusado é fornecida pelo exame pericial, quando houver dúvida sobre a integridade mental ou dependência química do réu, o juiz de ofício, ou a requerimento, que seja aquele submetido a exame médico.
A posição da Defesa significa, sobretudo o zelo que impõe os cuidados necessários até pela harmonia da comunidade carcerária para não se ver também vitimadas, enquanto executam as suas sentenças e ao lado ser segregada por uma pessoa com problemas psicopatológicos seríssimos causando assim consequentemente sérios riscos a sua integridade física e psíquica, como também a vida carcerária.
A lei prevê também em qualquer fase do processo pode ser o acusado submetido a exame médico legal (artigo 149, do CP) exame, no sentido de obter um resultado real sobre a patologia mental, ou não, do acusado, conforme a expedição do competente Laudo que deverá ser posteriormente encaminhado ao juiz processante, caso afirmativo impõ-se a aplicação de medida de segurança, caso contrário o réu será submetido ao crivo do Juiz Singular.
Tal pretensão o defensor do réu nada vem alterar o curso do processo onde o único objetivo é a boa aplicabilidade do direito visando enaltecer o espírito de justiça como são peculiares, não acarretando nenhum prejuízo também as partes, muito pelo contrário. Pelo seu internamento, conforme se vê do seu interrogatório, que pode inexoravelmente constituir indício de seu desvio de personalidade ou dependência química toxicológica.
O Pretório Excelso já decidiu inúmeras vezes, a exemplo do julgado na RT 63/70, “que havendo dúvidas a respeito da imputabilidade do réu, é necessário o exame pericial, tratando-se de meio legal de prova, que não pode ser substituído pela inspeção do próprio juiz”.
Ademais, não se pode olvidar que a carta de princípios assegura ao réu a ampla e plenitude de defesa, logo não se mostra razoável permitir que o julgamento seja levado a efeito havendo dúvidas acerca da imputabilidade do ora réu. A jurisprudência recomenda, neste caso, que o julgamento seja suspenso, a fim de aquilatar se o réu era à época do fato inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Na verdade, entendemos, inclusive, que o incidente de insanidade mental (art. 149 e seguintes do Código de Processo Penal) é um gênero abrangente de várias espécies, dentre os quais e de dependência toxicológica (artigos 45 e seguintes da Lei 11.343/06), destinado a aferir se em virtude do consumo de drogas o dependente perdeu a capacidade de compreender, total ou parcialmente, o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Assim, no interesse da defesa do acusado, que praticou o crime sob o efeito de drogas ou de sua abstinência há necessidade de se verificar, via perícia médico-legal específica, se realmente o acusado é portador de dependência, em caso positivo, se a sua capacidade de entendimento ou capacidade de determinação está comprometida ou se, ao contrário, goza de higidez mental.
Firmando assim o entendimento de que deva ser instaurado o incidente de insanidade mental ou de dependência química toxicológica devendo o acusado ser encaminhado a estabelecimento médico-penal, para ser submetido aos exames necessários, adotando-se todas as demais providências cabíveis na espécie e no prazo legal seja remetido para o juiz “a quo”, o respectivo laudo, após disso seja o defensor público ou o advogado constituído, intimado para se pronunciar a respeito do Laudo Pericial.
Portanto, é necessário requer, que o procedimento seja autuado em apenso, devendo ser encaminhado a(o)s experto(a)s cópia de todo processo, como também da Mídia (concernente ao Interrogatório do acusado, na polícia e/ou em juízo).
A defesa deve formular incontinente e tempestivamente os seguintes quesitos a serem respondidos pelos peritos
(a)s: 1) – o paciente é dependente de droga, lícita ou ilícita? 2) – em caso positivo qual delas 3) – o paciente é dependente químico 4) – em razão da dependência o paciente era ao tempo da ação ou omissão era dependente de droga e inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 5) – se não era inteiramente incapaz, tinha ele plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 6) – o paciente, quando da prática do fato ilícito, estava sob efeito de substância de entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica? 7) – Positiva a resposta, indaga-se: e, no estado em que se encontrava, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 8) – em caso do paciente ser dependente de drogas, qual o tratamento indicado (internação ou ambulatorial) e prazo mínimo necessário? 9) outros esclarecimentos que a juízo dos peritos sejam interessantes ao deslinde da questão.
Com isso, não se busca fugir das responsabilidades do réu, mas sim a diminuição da pena, pois no momento da abordagem e sua prisão o mesmo estava sob o efeito ou abstinência de substância química entorpecente.
Cabe também à luz da prova dos autos, a defesa requer com base no art. 386, VI, do Código de Processo Penal, a absolvição do acusado com fundamento na existência de circunstância que exclui o crime e isenta o réu de pena, tendo em vista que o acusado cometeu o crime sob efeito de drogas.
Finalizando, é-me necessário esclarecer de uma vez por todas que a Defensoria Pública, Instituição Constitucional de Defesa e Órgão de Execução Penal é quem abre as portas do Poder Judiciário para aqueles menos favorecidos, sem vez e sem voz nesta sociedade capitalista.
O Defensor Público não defende o crime, nem tão pouco a impunidade.
Defendemos sim, com muita garra e altivez todos os direitos garantidos não só pela nossa Carta Magna como também pela Lei de Execução Penal – LEP, a qualquer ser humano (especificamente os pobres na forma da lei, sem condições financeiras de constituir advogado) que por ironia do destino, ou não, praticaram qualquer tipo de infração penal.
Defendemos sim, o direito do acusado não sofrer qualquer tipo de agressões (quer física ou psíquica) quando interrogado na fase policial;
Defendemos sim, o direito do acusado permanecer em silêncio (caso assim o queira) quando interrogado na polícia e/ou em juízo;
Defendemos sim, o direito do acusado expor seus motivos, como também explicar suas razões;
Defendemos sim, o direito do acusado não ser algo de sensacionalismo pela imprensa (falada, escrita ou televisada), o que é defeso pela LEP;
Por fim, defendemos o direito de um julgamento JUSTO, porque “nem tudo do direito é justo”, assim certa vez se expressou o jurisconsulto romano chamado, UPIANO.
Carlos Roberto Barbosa
Defensor Público
em Exercício na 7ª Vara Criminal de João Pessoa