O artigo 59 do Código Penal brasileiro, em vigor, quanto a fixação da pena “o juiz atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüência do crime, bem como o comportamento da vítima, estabelecerá conforme sendo necessário e suficiente pra reprovação e prevenção do crime” (Grifo Nosso).
I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentre os limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.
De conformidade com o dispositivo penal, em epígrafe, é dever do Juiz na dosimetria da pena analisar o comportamento da vítima (antes e depois do crime) como circunstância judicial na individualização da pena imposta ao acusado.
Neste diapasão, o jurista Celso Delmanto, nos ensina que: “o comportamento do ofendido deve ser apreciado de modo amplo no contexto da censurabilidade do autor do crime, não só diminuindo, mas também aumentando eventualmente. Não deve ser igual à censura que recai sobre quem rouba as fulgurantes jóias que uma senhora ostenta e a responsabilidade de quem subtrai donativos, por exemplo, do Exército da Salvação”(Código Penal Comentado, 2000, p. 104).
Como se vê para um decreto condenatório penal a idéia de que o criminoso atuou culposamente. Mas não se pode afirmar, com o mesmo nível, de certeza, que a vítima é inocente.
Pelo contrário, dou meu testemunho, que funcionei em vários processos de crimes contra a vida, conseqüentemente crimes de competência do Tribunal do Júri em que as vítimas com suas condutas, contribuiram, efetivamente, para o comportamento criminoso.
Como bem observa o doutrinador Júlio Fabbrine Mirabete, “quem vive mostrando a sua carteira recheada de dinheiro, aumenta as possibilidades do furto e do roubo”.
Diante de uma infringência penal, “além da prática do crime e do criminoso, existe um terceiro elemento, que vem exercendo papel significativo na eclosão dos delitos: A VÍTIMA”.
O Professor Genival Veloso de FRANÇA, em sua obra “Medicina Legal”, 9ª Edição – Rio de Janeiro – Guanabara Koogan, 2011, nos ensina que:
“Na criminologia moderna, não se pode deixar de analisar a personalidade da vítima com o mesmo interesse com que se tem analisado a personalidade do delinqüente.
Quem primeiro estabeleceu este vínculo, dentro do conjunto da ação delictual , foi Hans Von Hentig, ao afirmar que: “a relação entre autor e vítima , em determinado delito, não é tão mecânica como aparece nos códigos, mas muito complicada, em razão de que em certos casos, a vítima dá forma e modela o delinqüente”. Chega-se hoje a admitir que a vítima e o criminoso, às vezes, comportam-se como faces da mesma moeda que da personalidade da vítima poder-se-ia deduzir a do criminoso.
A velha concepção de vítima, como sendo a parte ofendida e passiva de um crime , para quem o sentido de piedade sempre se inclina, está perdendo terreno, e, em algumas situações já perdeu de todo.
“Sabe-se hoje que a vítima, em determinadas conjecturas, é a única insufladora de um crime”.
“O estudo do papel representado pela vítima, na gênese do crime é chamado de vitimologia, como um ramo da criminologia. Assim ninguém pode mais deixar de examinar a personalidade da vítima com o mesmo interesse científico com que examinou até hoje a personalidade do criminoso, sempre com má vontade e que antes mesmo de ser julgado, torna-se objeto de repulsa, até mesmo por parte do julgador e, em seu torno surgem prontuários, folha de antecedentes, exames médico-psiquiátrico e outros”.
Afirmo por experiência própria de que 90% (noventa por cento) dos crimes contra a vida (quer consumados, quer tentados) em que funcionai patrocinando as defesas técnica dos Assistidos, o réu e a vítima estavam bebendo, tinham bebido ou iam beber.
No percentual de mais ou menos 70% (setenta por cento) réu e vítima eram amigos, conhecidos e/ou parentes.
O criminologista Vitorino Prata Castelo Branco, tem como pensamento:
“Nos homicídios e nas lesões corporais, envolvendo parentes e conhecidos, nunca se aprofunda, na justiça, o estudo da situação relacional anterior dos personagens envolvidos, pois se tais estudos fossem feitos, ver-se-ia que o crime foi apenas a explosão de fatos longínquos, quase sempre provocados pela vítima.
Outras vezes, num crime de morte, o fato se torna um jogo, o acaso é que determina quem vai ser o homicida e qual vai ser a vítima. “Ambas as personagens são idênticas na culpabilidade, todavia, somente a que sobrevive é que é considerado criminoso”.
– A vítima nos crimes sexuais:
No tocante aos crimes sexuais, a participação ou consentimento da vítima, é algo muito mais sério do que imaginamos, pois à luz de algumas ementas, a seguir, que há casos de absolvição em processos que envolvam conjunção carnal, sedução, atentado ao pudor, estupro, ect.
O professor José Eulálio Figueiredo de Almeida, assim comenta a respeito do tema acima referido:
“O consentimento ou aquiescência da ofendida, insista-se, obtém nota de relevo nos crimes sexuais, desde que não tenha sido viciado, porque permite ao Juiz, diante da confirmação de tal circunstância, declarar a tipicidade da conduta do acusado ou a sua antijuricidade. (…) se, por outro lado, esse consentimento é evidente exclui-se não apenas a ilicitude, mas a tipicidade da conduta, isto é, não há delito a punir – nullum crimen sim culpa” (José Eulálio Figueiredo de Almeida – Sedução – instituto lendário do Código Penal, 2002).
De igual modo afirma Sandro D’Amanto Nogueira, que:
“Existem vítimas provocadoras, que atraem para si uma determinada situação ou desencadeiam algum processo para que se torne vitima de algo ou alguém o chamado processo vitimação”.
Oportuno demonstrar como a jurisprudência pátria vem se pronunciando a respeito de um tema tão relevante.
– EMENTA – Nº 17876 – ESTUPRO – Não caracterizando – Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, para gozar de presunção de variedade necessita ser verossímil, coerente e escudada no bom comportamento anterior – No caso o comportamento da vítima muita a desejar – Absolvição decretada. (Relator Celso Limongi – AC 100223-3 – 23.01.91).
–EMENTA – Nº 28859 – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – Não caracterização – Ausência de violência física – Atos praticados com consentimento da vítima – Versões apresentadas por esta, que se mostram em contradição – Réu de porte físico menor do que da ofendida e que não se apresentava armado – Comportamento dos quais não se extrai violência reação – Absolvição decretada – Recurso provido. Para que se configure o delito do artigo 224 do CP a oposição ao ato libidinoso deve ser sincera e positiva, manifestando-se por inequívoca resistência, não bastando recurso meramente verbal ou oposição passiva e inerte, apenas simbólica (Ap. Criminal n. 182.101-3 – São Paulo – 2ª Câm. Criminal – Férias – julho/1999 – Rel. Prado Toledo – 12.07.95 – V.U.).
– EMENTA – Nº 71022 – ESTUPRO – Presunção de inocência – vítima de mau comportamento menor de 14 anos – Relações sexuais mantidas anteriormente com outros homens – Circunstância que alide presunção de caráter relativo – Absolvição – Inteligência do art. 223 e 224 “a” do CP (ement.) – RT 557/322).
Finalizando, aconselho de bom alvitre aos colegas Defensores Públicos uma vez intimados nos termos do art. 422 do Código de Processo Penal (nos crimes de competência do Tribunal do Júri), para no prazo de 5 (cinco) dias apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligência mais ou menos da seguinte forma:
Em cumprimento ao despacho exarado às fls., desse venerando Juízo e respectivo Cartório, nesta oportunidade requer este Órgão Constitucional de Defesa, em diligência, que seja requisitado junto ao estabelecimento penal onde se encontra ou foi recolhida(o) o(a) Defendente, a Certidão Carcerária do mesmo, bem como a requisição da Certidão de Antecedentes Criminais do ora Assistido bem como da vítima de forma circunstanciada, expedida pelo INI – Instituto Nacional de Identificação ou pela REDE INFOSEG, da Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, já que a certidão de fls. do SISCOM estadual não tem abrangência nacional.
Á luz das Regras Mínimas das Nações Unidas (Item 19-3) requer a Vossa Excelência que se digne oficiar ao diretor e/ou ao administrador do estabelecimento penal onde o pronunciado (o qual responde a Ação Penal – Processo nº … , que tramita nesta comarca, esteja recolhido para que o mesmo seja apresentado para julgamento, em plenário do júri, utilizando roupas comuns, a sua escolha, podendo ser cedidas as vestimentas pela família ou por colega de cela a fim de não ter contato com os Sr(a)s Jurado(a)s trajando uniforme do presídio.
Nesse diapasão, já decidiu o Tribunal de Justiça do Espírito Santo que em 2017 assim se manifestou:
1 – Deve ser anulada a sentença e submetido o acusado a novo julgamento quando se extrai dos autos flagrante violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da isonomia, uma vez que o ora apelante, durante a realização da sessão do Tribunal do júri era o único réu vestindo uniforme do sistema prisional o que sem sombras de dúvidas afetou os ânimos dos jurados.
2– Recurso provido. TJES. Apelação nº 002082455.20138.08.0024. Relator Pedro Valls eu Rosa. 1ª Câmara Criminal, julgamento em 30 de agosto de 2017, publicação da Súmula em 27 de outubro de 2017.
Carlos Roberto Barbosa
Defensor Público
em Exercício na 7ª Vara Criminal de João Pessoa