O Livro I, Título II da nossa Legislação Adjetiva Penal trata do Inquérito Policial.
O artigo 4º do Código de Processo Penal dispõe que:
Art. 4º – A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respetivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Parágrafo único – A competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função.
O renomado doutrinador Renato Marcão define o Inquérito Policial como sendo: “o procedimento administrativo de natureza investigatória, instaurada e presidido pela polícia judiciária com a finalidade de apurar a ocorrência de determinado fato apontado como ilícito penal, sua autoria e eventual materialidade, com todas as suas circunstâncias” (Renato Marcão, Curso de Processo Penal, 5ª Edição, Saraiva, p.124).
O jurista Fernando Capez, em sua obra “Curso de Processo Penal”, Editora Saraiva, 15ª Edição, define o inquérito policial como “o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”
Já o doutrinador criminalista Rômulo Moreira define o Inquérito Policial, o tratando de “procedimento preliminar, extrajudicial e preparatório para a ação penal, sendo por isso considerado como a primeira fase da persecutio criminis (que se completa com a fase em juízo). É instaurado pela polícia judiciária e tem como finalidade a apuração de infração penal e de sua respectiva autoria”. (Rômulo de Andrade Moreira, Direito Processual Penal, Salvador, JusPodium, 2007, p.3).
“O inquérito policial qualifica-se como procedimento administrativo, de caráter pré-processual, ordinariamente vocacionado a subsidiar, nos casos de infração perseguíeis mediante ação penal de iniciativa pública, a atuação persecutória do Ministério Público, que é verdadeiro destinatário dos elementos que compõem a informatio delicti” (STJ, HC 83.020/RS, 6ª T., REL. Min. Og Fernandes, j. 18-12-2008, Dje de 2-3-2009 – STF, HC, 94 173/BA, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27-10-2009, Dje n. 223 de 22-11-2009).
“O inquérito policial constitui mero procedimento administrativo, de caráter investiga tório, destinado a subsidiar a atuação do Ministério Público. Trata-se de peça informativa cujos elementos instrutórios – precipuamente destinados ao órgão da acusação pública – habilitá-lo-ão a instaurar a persecutio criminis in judicio. A unilateralidade das investigações desenvolvidas pela Polícia Judiciária na fase preliminar da persecução penal (informatio delicti) e o caráter inquisitivo que assinala a atuação da autoridade policial não autorizam, sob pena de grave ofensa à garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, a formulação de decisão condenatória cujo único suporte seja a prova, não reproduzida em juízo, consubstanciada nas peças de inquérito…
O indiciado é sujeito de direito e dispõe de garantias legais e constitucionais, cuja inobservância pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial. […] Eventuais vícios formais concernentes ao inquérito policial não têm o condão de infirmar a validade jurídica do subseqüente processo penal condenatório. “As nulidades processuais concernem, tão-somente aos defeitos de ordem jurídica que afetam os atos praticados ao longo da ação penal condenatória” (HC nº 93.271-2-SP, 1ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 14-3-96, DJU de 4-10-96, p. 37.100, ementa parcial).
“Eventuais falhas do inquérito policial não levam a sua anulação, pois não passavam de meros elementos informativos, em que se baseia a denúncia. Se esta se apresenta formalidade perfeita, baseada nos informes obtidos e os fatos, como descritos, caracterizam, em tese, ilícito penal, não há razão para se lhe declarar a inépcia ou para se trancar a ação penal” (RTJ 135.991).
“A jurisprudência dos Tribunais Superiores já assentou o entendimento no sentido de que, enquanto peça meramente informativa, eventuais eventualidades que estejam a gravar o inquérito policial em nada repercutem no processo do réu, momento no qual , afirma-se, será renovado todo o conjunto de prova” (STJ, 6ª T., RHC 11.600?RS, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 13-11-2001, Dj, 1º set. 2003).
“Por se tratar de peça meramente informativa da denúncia ou da queixa, eventual irregularidade no inquérito policial não contamina o processo, nem enseja a sua anulação” (HC nº 74.198-3-SP, 2ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. 24-9-96, DJU de 6-12-96, p. 48.711). No mesmo sentido: RTJ 158.873; 160:268).
Oportuna é a observação d que uma vez instaurado o inquérito policial a autoridade policial não pode arquivar os autos do inquérito (art. 17 do CPP).
Adverte o jurista Renato Marcão que: “não é correto falar em acusado nesse momento da persecução, e exatamente por isso não há ampla defesa, tampouco contraditório pleno nessa mesma fase, sem que disso se possa extrair violação aos respectivos princípios constitucionais, incidentes e essenciais na persecução penal em juízo” (CF, art. 5º LV).
A ação penal é pública ou incondicionada, quando sua propositura cabe, exclusivamente, ao Ministério Público.
Em se tratando de ação penal pública incondicionada ou plena, a autoridade policial dará início ao inquérito policial do seguinte modo:
– de ofício;
– mediante a requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público ou a representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo;
“A outorga constitucional de função de polícia judiciária à instituição policial não impede nem inclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o dominus litis, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitarem esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presentes e acompanhar, junto a órgão e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua opinio delicti, sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial” (STF, HC 94.173/BA, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27-10-2009, Dje nº 223, de 27-11-2009).
Diz-se que a ação é pública condicionada quando sua propositura, cabendo ao Ministério Público, deva ser provocada por ato a requisição do Ministro da Justiça ou por representação do ofendido.
E tratando-se de ação penal privada a sua propositura depende exclusivamente de queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo.
“Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal” (Súmula 594 do STF).
“Em se tratando de infração onde a ação é de iniciativa privada, é inadmissível a requisição de instauração de inquérito policial por parte do Ministério Público” (TACrimSP – RJDTACrimSP, 12/211).
“Para o recebimento de queixa crime é necessário que as alegações estejam minimamente embasadas em provas ou, ao menos, em indícios de efetiva ocorrência dos fatos. Posição doutrinária e jurisprudencial majoritária. Não basta que a queixa crime se limite a narrar fatos e circunstâncias criminosas que são atribuídas pela querelante ao querelado, sob o risco de se admitir a instauração de ação penal temerária, em desrespeito as regras do indiciamento e ao princípio da presunção de inocência. Queixa crime rejeitada”. (Inq. 2033, Rel. Min. Nelson Jobim, Tribunal Pleno, j. em 16-6-2004, PP – 00072, RTJ – VOL -00194-01, PP 00105).
– por comunicação de qualquer pessoa do povo.
Estes parâmetros estão fixados nos incisos I e II e § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal.
Tão chegue ao conhecimento da autoridade policial a existência de um ato praticado, tipificado como infração penal (tentada ou consumada) dentro de sua circunscrição policial aquela autoridade deve incontinenti, determinar o registro da ocorrência e a abertura do inquérito. Também, de igual forma quando lhe chegar às mãos requisição da autoridade judicial ou do Ministério Público. Nestes casos ficará seu critério o registro ou não da ocorrência.
O inquérito policial pode ser também ser instaurado mediante requerimento do ofendido onde a autoridade policial deverá fazer uma sucinta análise do seu conteúdo de modo a constatar a presença dos requisitos consignados nas alíneas “a, b e c” do § 1º do art. 5º do Código de Processo Penal, a saber, “in verbis”.
– a narração do fato com todas as circunstâncias;
– a individualização do indivíduo ou seus sinais característicos, e a sua razões de convicção ou presunção de ser ele o autor da infração, ou dos motivos de impossibilidade de fazê-lo;
– nomeação das testemunhas com indicação de sua profissão e residência.
Entretanto, se o requerimento lhe for do seu conhecimento de forma oral, a autoridade policial determinará que o pedido seja reduzido a termo do qual constarão os dados já mencionados anteriormente.
O inquérito policial pode ser instaurado também com a comunicação do fato criminoso feita por qualquer pessoa do povo, que é a chamada “delatio criminis”, esta hipótese, encontra-se prevista no § 3º do art. 5º do Código de Processo Penal.
“Não serve á presunção criminal notícia de prática criminosa sem identificação da autoria, consideradas a vedação constitucional do anonimato e a necessidade de haver parâmetros próprios à responsabilidade, nos campos cível e penal, de quem a implemente.” (HC 84827, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., j. em 07-08-2007, Dje – 147 DIVULG 22-11-2007, PUBLIC 23-11-2007, Dj 23-11-2007, PP- 00079 EMENT VOL – 02300-03 – PP – 00435).
Do mesmo modo do que a representação, a “delatio criminis” pode ser oferecida por escrito ou oralmente.
A prisão em flagrante mesmo não estando mencionada, expressamente, no art. 5º do Código de Processo Penal também é uma das formas do início do inquérito policial.
Após lavrado o auto de prisão em flagrante, a autoridade policial determinará que seja instaurado o inquérito policial, determinando as diligências necessárias à sua ultimação.
– Da prova ilícita obtida no inquérito policial
Invalida os elementos colhidos no curso da investigação policial.
“O indiciado é sujeito de direito e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância pelos Agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial” (STF – HC 73271-2, Rel. Min. Celso de Mello – Dju de 04-10-96, p. 37.100).
“NOTITIA CRIMINIS” ANÔNIMA (TRF 5ª Região): Padece de inconstitucionalidade o procedimento investigatório que se origine de expediente delatório anônimo (art. 5º, IV, da CF)” (JSTJ, 12/417).
Confissão policial sem a presença do defensor técnico: não caracterizada.
“Nada justifica a assertiva de que a realização do interrogatório policial, sem que ao ato esteja presente o defensor técnico do indiciado, caracteriza comportamento lícito do órgão incumbido, na fase pré-processual, da persecução da investigação penal. A confissão policial feita por indiciado desassistido de defensor não ostenta, por si mesma, natureza lícita”. (STF – 1ª T., – RE – j. 7.04.92 – Rel. Celso de Mello – RTJ 143/306)
Reconstituição Simulada. Comparecimento do Investigado. Obrigatoriedade (STF):
“O suposto autor do ilícito penal não pode ser compelido, sob pena de caracterização de injusto constrangimento, a participar da reprodução simulada do fato delituoso. O magistério doutrinário, atento ao princípio que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra a auto-incriminação, resulta a circunstância de que é essencialmente voluntária a participação do imputado ao ato – provido de indiscutível eficácia probatória – caracterizador da reprodução simulada do fato delituoso” (RT, 696/385).
Busca e apreensão realizada sem formalidades legais
“Assim, entendeu-se que as leis do processo ’são complemento necessário das leis constitucionais’ e as ’formalidades do processo’, de outra sorte, ’as atualidades das garantias constitucionais’ (João Mendes Júnior, Processo Criminal Brasileiro, 23ª Ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, ou varejamento, e a busca pessoal, ou revista, devem submeter-se as formalidades legais, para guardarem validade. Impossível aceitar-se o devido processo penal, sem o pontual procedimento, ainda que na primeira fase da persecutio criminais” (art. 5º, LIV da Constituição da República). Inquérito policial não é hiato de legalidade. O fato indicante exsurgiu sem valia” (TACrim-SP – Ver. – Rel. Sérgio Pitombo – j. 18.10.95 – RT 725?575).
Carlos Roberto Barbosa
Defensor Público
em Exercício na 7ª Vara Criminal de João Pessoa