DO DESAFORAMENTO

A seção V acrescentada pela Lei 11.689/2008, na nossa Legislação Adjetiva Penal trata-se do desaforamento.

O artigo 427 do mesmo Diploma Legal, acima referido estipula que:

“Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existem aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas”.

O desaforamento é admitido sempre que houver iminente ou atual ameaça ao direito de locomoção. O mencionado instituto arrima-se em três causas a saber:

1.- interesse da ordem pública;
2.- dúvida sobre a imparcialidade do juiz;
3.- dúvida sobre a segurança pessoal do réu.

Oportuna é a lição do Prof. Fernando Capez, em sua obra “Curso de Processo Penal”, 15ª edição, Editora Saraiva, p. 551, a respeito das três causas, cima referidas, in verbis:

– “Interesse de ordem pública: quando a realização do júri como querida ou odiada pela população local, ou quando há fundada suspeita de corrupção no corpo de jurados, de modo a colocar em risco a lisura do julgamento.
Dúvida sobre a imparcialidade do juiz: ocorre quando o réu for pessoa querida ou odiada pela população local, ou quando há fundada suspeita de corrupção no corpo de jurados, de modo a colocar em risco a lisura do julgamento.

Existência de dúvida sobre a imparcialidade do júri – STF:

“Para se caracterizar dúvida sobre a imparcialidade do júri não se exige a certeza, basta a previsão de indícios capazes de produzir receio fundado da mesma.” (RT 603/436). TJAL: “Júri. Desaforamento. Dúvidas sobre a imparcialidade dos jurados, corroborado pelas informações prestadas pelo Magistrado local. Pedido deferido (…) Havendo dúvidas quanto á imparcialidade dos jurados que poderão ser influenciados em seu julgamento em face da vítima ter parentesco com pessoas de grande poder de influência política e social na comarca deverá ser deferido pedido de desaforamento do Tribunal do Júri ainda mais quando tais fatos são corroborados pelas informações prestadas pelo Magistrado local”. (RT 745/607).

Dúvidas suficientes para o desaforamento – TJPR: “Júri – Desaforamento – Admissibilidade – pedido uníssono da acusação, da defesa e do próprio Magistrado – desnecessidade de certeza acerca da imparcialidade dos jurados, sendo suficiente a dúvida quanto esta circunstância. (…) Para que haja desaforamento, não se exige certeza sobre a imparcialidade dos jurados, bastando a existência de dúvida quanto a esta circunstância. Havendo fatos que possam alterar a serenidade do julgamento, afugentando-lhe a imparcialidade , o acolhimento do pedido é de rigor, mormente quando acusação, defesa e o próprio Magistrado são vozes uníssonas no reclamo registrado”. (RT 778/656).

Ameaça a segurança do réu: quando o crime despertou ou por familiar da vítima. Ocorre em crime bárbaros, envolvendo em regra, crianças ou emprego de abuso sexual. clamor popular e vontade de fazer justiça por meios próprios, gerando para o acusado risco concreto de ser morto pela população local ou por familiares da vítima. Ocorre em crimes bárbaros, envolvendo, em regra, criança ou emprego de abuso sexual”.

Temor pela segurança do réu – STF: “Admitido pelo acórdão recorrido, acolhendo as informações do juiz, haver dúvida sobre a segurança pessoal do réu e de seu defensor na sessão, em razão de tumulto – o desaforamento atendeu ao art. 424 do Código de Processo Penal, sem cabimento o reexame de prova nesta instância”. (RT 610/324). TJAL: “Pedido formulado pelo Ministério Público ante a falta de segurança dos réus e dúvida sobre a imparcialidade dos jurados. Admissibilidade. Acusado ameaçado de morte inclusive com invasão da cadeia local e influência de sua advogada junto ao corpo de jurados. Pedido deferido”. (RT 709/350).

Nos ensinamentos de Hermínio Alberto Marques Porto o desaforamento é definido como um “ato excepcional da Instância Superior, modificador da regra de competência territorial e com restrita aplicação no procedimento do júri. Porque o crime deve ser julgado na comarca em que foi praticado, firmando a competência do Tribunal do Júri pela decisão de pronúncia transitada em julgado, terá caráter excepcional a mudança de foro para o julgamento determinada pela decisão que determinava o desaforamento, decisão que derrogava regra de competência territorial por satisfeitos requisito de lei, e que também é excepcional por afastar o julgamento de causa pelos cidadãos do local do crime. Assim, os pressupostos do desaforamento deverá estar seguramente definidos, não devendo ser esquecido que a medida enseja reflexos na defesa técnica e na assistência da acusação e representados pela necessária locomoção para nova comarca, bem como reflexo em relação ao acusado”.

Enfim, o desaforamento “é a transferência de um julgamento para outra comarca”. Assim define de maneira singela o jurista Bento de Faria.

À luz do artigo 428 do Código de Processo Penal o pedido de desaforamento também poderá ser determinado, em razão de comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão e pronúncia.

O pedido de desaforamento deverá ser formalizado após o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, e objetivou julgamento, não obrigatoriamente o primeiro, na comarca diversa da competente originariamente. Como enuncia a lei, na nova comarca não devem subsistir os motivos determinadores do desaforamento: “é nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa” é o que determina a SÚMULA 712 do STF.

O posicionamento do Supremo Tribunal Federal, a respeito da matéria, ora em comento é nos seguintes motivos:

“O desaforamento – que atua como causa derrogatória da competência territorial do júri – qualifica-se como medida de caráter excepcional, (STF, HC 91.617/RJ, 2ª T., rel. Min. Celso de Melo, j. 16-10-2007, Dje n. 233, de 9-12-2011), e só pode ser deferido mediante poderação entre o princípio do juiz natural e a garantia de imparcialidade do órgão julgador” (STF, HC 93.038/RJ, 29-12-2008, 2ª T., rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 5-8-2008, Dje n. 291, de 19-122008, RTJ 207-03/1.168).

“Basta o fundado receio de que reste comprometida a imparcialidade dos jurados (STF HC, 96.785/ES, 2ª T., rel. Min. Gros Grau, j. 25-11-2008, Dje … n. 094, de 22-05-2009, LEXSTF 365/478), Todavia a mera alegação de parcialidade do júri, desacompanhada de qualquer comprovação idónea e eficaz, não é suficiente para justificar a medida excepcional” (STF, HC 91.617/RJ, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 16-10-2007, Dje n. 235, de 9-12-2011).

“O desaforamento, que implica apenas na realização do julgamento em comarca distinta daquela do distrito de culpa, pressupõe estar o processo pronto para ser submetido ao Tribunal do Júri, sendo por isso, prematuro seu deferimento na pendência de recurso contra a pronúncia” (STF, HC 69.054/MT, Tribunal Pleno, rel. Min. Célio Borja, j. 19-12-1991, Dj de 10-11-1992, p. 4.798, RTJ 139/242).

“Requerido o desaforamento pelo Ministério Público é imperativa a audiência da defesa (STF, HC 63.807/MG, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 5-12-1989. Dj de2-3-1990, p. 1.346, RTJ 131/125; STF, HC 70.792/PE, 2º T., rel. Min. Marco Aurélio, j. 22-2-1994, Dj de 10-6-1994, p. 14.766). A garantia constitucional da ampla defesa reclama a audiência do acusado no pedido de desaforamento” (STF, HC 69.054/MT, Tribunal Pleno, rel. Min. Célio Borja, j. 19-12-1991, Dj de 10-4-1992, p. 4.798, RTJ 139/242).

“A decisão deve ser fundamentada, inclusive no que tange à escolha da comarca para onde será remetido o julgamento, notadamente quando houver exclusão das mais próximas e for escolhida cidade mais distantes do distrito de culpa” (STF, HC 75.960/RS,, 1ª T., rel. Min. Octávio Gallotti, j. 31-10-1997, Dj de 19-12-1997, p. 44).

“Orienta-se jurisprudência do STF no sentido de, o desaforamento, quando necessário, dar-se para comarca mais próxima do distrito da culpa, onde não subsistam os motivos que o determinaram. A indicação de comarca mais distantes deve ser particularmente fundamentada” (STF HC 65.278/MG, 1ª T., rel. Min. Néri da Silveira, j. 11-9-1987, Dj de 16-10-1987, p. 22.416).

Carlos Roberto Barbosa
Defensor Público
em Exercício na 7ª Vara Criminal de João Pessoa

DO DESAFORAMENTO

Você pode gostar também